Memória :: Músicas de viagem

Músicos tocando na praça principal de Santiago de Cuba, em 2010 – Foto: Débora Costa e Silva

A trilha sonora é um elemento essencial em uma viagem e acaba sendo quase tão marcante quanto uma atração turística ou uma experiência gastronômica. Não importa se as músicas que embalaram o seu rolê eram de algum artista local, ou se faziam parte da seleção que você levou para ouvir (em K7s, CDs, MP3, playlist do Spotify) ou ainda um hit meio tosco da época. Uma coisa é fato: essas canções vão servir sempre como um portal para revisitar aquele lugar.

Uma das coisas que mais curto fazer nos preparativos é já ir ouvindo umas músicas da região ou país que vou visitar para entrar no clima. Afinal, se uma música é capaz de nos transportar para onde já estivemos, ela também deve ser capaz de nos levar para lugares que ainda não fomos. Foi assim com Cuba – aliás, boa parte da minha motivação de ir para lá foi por conta da música. Mergulhei nos clássicos do Buena Vista Social Club e do grupo Orishas e ouvia tudo quanto era salsa cubana.

Engraçado é que, entre uma “Guantanamera” e outra, a música que mais ouvi por lá não foi uma salsa nem um bolero, muito menos bossa nova (e olha que em quase todo bar com som ao vivo rolava um momento Brasil com “Garota de Ipanema”). O hit que marcou a viagem foi mesmo uma musiquinha bem pop, “We no Speak Americano”, da Yolanda B. Cool – também conhecida pelo refrão que diz “Papanamericano”, tocava em todas as festas 😊.

O hit do momento foi só a cereja do bolo para a miscelânea latina cheia dos batuques deliciosos que fizeram a trilha de Cuba – que era, de fato, extremamente musical como eu imaginava, com um conjuntinho tocando a casa esquina em Havana, Trinidad e Santiago de Cuba. Mas em uma viagem, sempre que é possível tento ir a algum show, festa ou bar que tenha um som ao vivo para conhecer a música regional.

Quando fui para a Espanha, foi a vez de outro clichê: o flamenco. Fui a uma apresentação em Barcelona e em outras três em Sevilha. Uma mais incrível que a outra, com músicos e dançarinos fantásticos, sempre em casas pequenas e charmosinhas. Queria ter visto mais castanholas e cajon, mas depois soube que esses instrumentos foram incorporados mais recentemente. Os shows que vi eram mais crus e tradicionais, apenas com violão, sapateado, palmas e só.

Flamenco em Barcelona, em 2011, só com violão, voz, sapateado e palmas – Foto: Débora Costa e Silva

Mas apesar desse mergulho no flamenco, o lado B das minhas memórias espanholas guarda outros estilos que nada têm a ver com a música feita na Espanha (até onde eu sei). Foi em Barcelona que conheci a banda Baiana System, apresentada pelos meus amigos Fernando e Milena, e Madri ficou marcada pelas músicas da Whitney Houston e do Daniel (sim, o sertanejo), que eu e meu amigo Fellipe vivíamos cantando por lá.

Os clássicos da Madonna me lembram as viagens de carro que fazia para o interior ou litoral de São Paulo com a minha mãe; o álbum acústico dos Titãs e o “Pulse” do Pink Floyd as viagens pelo interior do Rio de Janeiro com o meu pai; uns reggaes ruins embalaram minhas idas e vindas para Floripa com as amigas de infância e nem vou mencionar quais axés marcaram minha viagem para Porto Seguro, deixa pra lá 😛

Mesmo quando fui para Londres e Liverpool com a minha irmã e fizemos um tour temático dos Beatles, acabamos ouvindo o que? John Mayer. Foram as músicas dele que embalaram a viagem, nada de “Eleanor Rigby”. Rolou algo assim também em Bariloche, na Argentina, com o cantor uruguaio Jorge Drexler. Tocou o álbum “Eco” inteiro em uma noite num bar (e ainda repetiu, acho que só tinham esse). Agora, quando toca Jorge Drexler, já me transporto para Bariloche, e não pro Uruguai – talvez também porque nunca estive lá rs.

Enfim, é uma delícia viajar inspirada por música, como foi Liverpool, Cuba e mesmo Nova York – e outras que ainda quero fazer. Mas ainda que eu planeje fazer um tour musical, não necessariamente aquele determinado estilo vá compor a trilha sonora. Como em quase toda viagem, o elemento surpresa sempre dá as caras, nunca decepciona. E é ele que nos leva a vivências diferentes, apresenta músicas, relembra de outras e faz de cada viagem única.

Reflexões :: Palestras do TED sobre viagens

Da série de coisas boas proporcionadas pela internet, a possibilidade de assistir às palestras do TED Talks é uma das minhas preferidas. Para quem não conhece, é o seguinte: a organização TED (Technology, Entertainment, Design) promove uma série de eventos e conferências com o objetivo de disseminar ideias (como diz o próprio slogan, ideas worth spreading).

De assuntos variados, as palestras são sucintas, têm em média 10 minutos e a maioria está disponível na internet. Os palestrantes são especialistas em algum tema e podem ser personalidades famosas como Bill Clinton, Bono Vox e Al Gore ou ilustres desconhecidos que têm algo a dizer sobre determinado assunto.

Para inspirar o início de ano, selecionei algumas das mais interessantes cujo assunto é viagem. A maioria tem legendas em português – caso não rode automaticamente, clique no vídeo, em seguida no ícone de legenda no canto inferior direito e selecione Português – Brasil. As que não têm eu sinalizei no título, mas dá para ver com legendas em inglês – já ajuda! Aproveitem para refletir sobre suas andanças pelo mundo 😉

Para maior tolerância, precisamos de mais… turismo?

Após entrar em contato com a cultura judaica, o palestino Aziz Abu Sarah percebeu que não faz sentido ter muros dividindo as pessoas, como o da Palestina. Ele acredita que o turismo é uma maneira de derrubar essas barreiras e abriu uma agência com guias judeus e palestinos dedicada a aproximar as pessoas.

Onde é o lar?

Uma baita reflexão sobre onde é o nosso lar em um mundo cada vez mais multicultural. Pico Iyer discorre sobre os vários lugares que podem ser considerados um lar e conta algumas histórias de sua vida. O que isso tem a ver com viagens? Bom, segundo ele, viajar só faz sentido quando temos para onde voltar. Ele também acredita que “Viajar é como estar apaixonado, porque todos seus sentidos estão ligados”.

Como fundamos o Lonely Planet (em inglês)

Anos atrás, eu assisti uma palestra do Tony Wheeler aqui em São Paulo e ouvi a história inspiradora sobre como ele e sua esposa criaram os guias Lonely Planet. Achei bacana porque não foi um “projeto editorial” todo formatado e planejado, e sim o resultado de uma grande expedição feita pelo casal nos anos 70.

Eles viajaram de carro pela Europa, Ásia e Oceania, partindo de Londres e passando por Istambul, Irã, Afeganistão, Índia, Tailândia, Nova Zelândia e Austrália. Por fim, decidiram fazer um livro sobre esses destinos e não pararam mais. Após o relato, ele discorre também sobre sua relação com Singapura (já que a palestra foi feita lá).

Por que se preocupar em sair de casa?

Com tanta informação ao nosso dispor graças a internet, qual o sentido em sair de casa e explorar o mundo? Ben Saunders, que já fez uma expedição para o Polo Ártico, conta um pouco de sua experiência e afirma que só se consegue ter inspiração e crescimento após superar desafios e adversidades.

Turismo de Empatia – Refugiados no Oriente Médio

A jornalista brasileira Talita Ribeiro fez uma viagem para o Oriente Médio que mudou toda sua perspectiva de vida e a ajudou a criar o conceito “Turismo de Empatia” – que também dá nome ao seu projeto. Segundo ela, empatia não é sentir dó de uma pessoa, é uma troca. No TED, ela conta um pouco sobre sua experiência com refugiados e sobre cada pessoa que a comoveu e a transformou nessa jornada.

Como e porque viagens transformam você (em inglês)

Francis Tapon percorreu várias trilhas nos Estados Unidos e na Europa e cada uma delas foi transformadora e o ensinou algo novo. Por estar sempre acampando e fazendo couchsurfing, passou a dar valor a um modo de vida mais simples e defende que não é preciso de muitos recursos para cair no estrada e ser feliz.

Como nasceu o AirBnb

O co-fundador da plataforma AirBnb conta como surgiu a ideia de transformar sua casa em uma hospedagem e fazer disso um negócio. No fim da primeira experiência hospedando desconhecidos, percebeu que havia criado um jeito de fazer amigos e pagar o aluguel. O que parecia uma ideia maluca e difícil de conquistar investidores, se tornou revolucionária. Muito se deve ao design da plataforma, que conseguiu passar mais confiança para seus usuários, e no TED ele explica como o projeto evoluiu.

Construindo uma carreira viajando (em inglês)

“Vou passar o resto dos anos ganhando a vida ou… vou viver a vida?”. A advogada  indiana Piya Bose se fez essa pergunta e resolveu largar seu trabalho para cair no mundo. Hoje ela escreve e documenta viagens e mantém uma plataforma para ajudar mulheres a viajar para destinos exóticos, a Girls-on-the-Go.

Estrada aberta, vida aberta (em inglês)

Andrew Evans começa sua palestra falando da diferença entre turismo e viagem – turistas pagam para viver determinadas experiências enquanto viajantes estão abertos ao inesperado. Ele conta sobre sua viagem de ônibus de Washington DC (EUA) até Ushuaia (Argentina) para embarcar para a Antártica, passando por diversos países da América do Sul. Ele vivenciou coisas que jamais teria tido a chance se tivesse viajado de forma tradicional e tudo isso fez com que seu destino se tornasse ainda mais especial.

Histórias dos sem-teto e dos que se escondem

O título fala “sem-teto”, mas o termo mais adequado seria nômades. A documentarista Kitra Cahana acompanhou e fotografou esses viajantes que percorrem os Estados Unidos e vivem na estrada. Encontrou pessoas criativas, artísticas, gente só em busca de aventura, outros fugindo de uma realidade dura. Uma de suas percepções mais interessantes é a de que ninguém se livra de seus demônios só por pegar a estrada.

Nova York :: Patti Smith

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Patti Smith se apresenta na Congregation Beth Elohim, no Brooklyn. Fotos do post: Débora Costa e Silva

Essa última quinta-feira tive a sorte e a honra de ir ao evento Brooklyn By The Book, com a cantora e escritora Patti Smith. A noite foi incrível e definitivamente foi um dos pontos altos da minha temporada em Nova York. Até então, estava tendo um dia meio esquisito. Tava com a cabeça cheia e acabei me atrapalhando e me atrasando para ir. Entrei no metrô completamente dispersa e apressada, equilibrando nas mãos um copo de café, a bolsa da câmera, o casaco, o celular e o livro “Linha M”, o único que trouxe para ler aqui em Nova York.

O evento aconteceu no Congregation Beth Elohim, uma congregação judaica próxima a estação Grand Army Plaza. Assim que soube, uma semana atrás, logo entrei no site para garantir meu ingresso, mas já estava esgotado. Não me dei por vencida: entrei em contato com a organização e me informaram que haveria um segundo lote à venda. E deu certo! 🙂

Ao me aproximar do local me assustei com a fila, que literalmente dobrava o quarteirão e ia longe. Mesmo com ingresso garantido, cheguei a ficar preocupada, pois não imaginava tanta gente – muitos inclusive com mais de 60 anos, provavelmente da geração que viu a jovem Patti ler poemas e cantar em Nova York no início da carreira. As luzes amareladas da congregação já estavam acesas e iluminavam a calçada e as árvores, dando um tom romântico para o início da noite.

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Como todos que estavam ali, recebi um exemplar do livro “M Train” assim que entrei. Fui para a parte de cima do salão para tentar garantir uma boa visão do palco e, após alguns minutos, ela apareceu acompanhada pelo guitarrista Lenny Kaye. Os aplausos pareciam não ter fim, Patti foi ovacionada. No maior bom humor, fazendo comentários hilários sobre si mesma, logo se desculpou por estar com um pouco de dor de garganta e explicou que não poderia dar autógrafos pois estava com tendinite (ou algo parecido).

Ela apresentou a nova edição do livro, que agora conta com mais fotos e um posfácio, cujos trechos foram declamados ao longo da noite, com algumas canções intercalando as leituras. Me senti em um culto religioso: ao invés da bíblia, tínhamos em mãos o “M Train” e, ao invés de um pastor, lá estava Patti Smith, que assim como imaginava, tem uma presença muito forte, ao mesmo tempo em que fala de um jeito doce e sereno.

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O público ainda teve a chance de fazer algumas perguntas à cantora. Em resposta a um dos fãs, Patti contou que está trabalhando em dois novos livros, um deles o “Sisters”, que fará um paralelo com “Just Kids” (“Só Garotos”), pois vai relatar histórias da mesma época sob outra perspectiva. Ela também fez várias revelações, algumas banais, como o seu inusitado gosto por crocs, mas outras que provocaram aplausos, como sua preferência política pela candidata Hillary Clinton e críticas ao concorrente Donald Trump. “Política é um assunto complicado, mas ele não é qualificado para ser presidente”.

Além de ser uma artista incrível, Patti ainda por cima foi simpática e bem humorada a noite toda, fazendo piadas, comentando assuntos corriqueiros e até dando spoilers de sua série de TV preferida, “The Killing”, ultra citada no livro. Para finalizar o encontro com chave de ouro, cantou “Because The Night” e, no meio da canção, desceu do palco e caminhou pela plateia, batendo palmas animada no ritmo da música.

Lá fora a noite continuava bastante agradável, agora ainda mais bonita com a lua cheia no céu. Fiquei emocionada, o tal culto surtiu efeito em mim. Apesar de não conhecer a fundo sua obra, admiro demais a Patti e saí desse encontro ainda mais encantada. Quando li “Só Garotos”, sua história em Nova York me inspirou muito, foi mais um dos empurrões que recebi para vir para cá. E agora, lendo o “Linha M”, tenho seguido o exemplo dela, indo de café em café para ler, escrever e observar o fluxo, e sinto que estou curtindo a cidade de forma mais leve.

Escala cultural :: A Arte de Viajar

30175164Taí um livro de cabeceira para quem gosta de viajar – e de quebra pirar um pouquinho sobre o assunto. “A Arte de Viajar”, do Alain de Botton, é pra ler com lápis e ir grifando, porque tem muitas frases e sacadas legais. Melhor ainda é levar para ler durante uma viagem, de preferência longa, com várias horas de voo ou estrada, para entrar na piração e filosofar junto.

O autor discorre sobre alguns temas relacionados a viagem, contando histórias pessoais e misturando com experiências e escritos de autores e artistas consagrados que também já se debruçaram sobre o assunto. Ao longo do livro vamos descobrindo como algumas vivências na estrada influenciaram a vida e a obra de caras como Van Gogh, Charles Baudelaire, Gustave Flaubert e às vezes acabamos conhecendo outros (como foi o meu caso), como Edward Hopper, Alexander von Humboldt e John Ruskin.

Apesar de ter adorado o livro, confesso que demorei um pouco para engrenar. Não sei se foi o começo, com ritmo mais lento e muito descritivo, que acabou me desmotivando, mas caso isso também aconteça com você, eu garanto que vale a pena persistir. Depois do primeiro capítulo, já nos acostumamos com o estilo do autor e as histórias e os temas apresentados vão ficando mais interessantes.

Um post só não dá conta de tudo que tem de bacana nesse livro – tanto é que no meio da leitura não aguentei e fiz um texto só sobre a relação das obras do Edward Hopper (clique no nome para ler) com viagens. O autor divide os capítulos pelos seguintes assuntos: partida, motivações, paisagem, arte e retorno e há ainda ramificações de cada um deles. Pra facilitar, resolvi separar em tópicos as frases e sacadas mais interessante de cada tema (todas as citações são do próprio Alain de Botton, exceto quando há outro nome indicado):

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Na piscina do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Foto: Débora Costa e Silva

Da expectativa
O autor começa contando como um simples panfleto promocional da ilha de Barbados pode influenciar uma pessoa a viajar – no caso ele próprio. E aí ele filosofa sobre o que esperamos de uma viagem e como a realidade pode frustrar, relacionando suas experiências com o romance “Às avessas”, de J-K Huysmans de 1884, em que o personagem principal divaga sobre esse mesmo assunto, cheio de sarcasmo e pessimismo.

“Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio – com toda a sua empolgação e seus paradoxos – quanto o ato de viajar. Ainda que de maneira desarticulada, ele expressa um entendimento de como a vida poderia ser fora das limitações do trabalho e da luta pela sobrevivência. Mas raramente se considera que as viagens apresentem problemas filosóficos – ou seja, questões convidando à reflexão além do nível prático. Somos inundados por recomendações sobre os lugares para onde viajar, mas pouco ouvimos sobre como e por que deveríamos ir”

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Na estrada, voltando do Rio para São Paulo. Foto: Débora Costa e Silva

Dos destinos de viagem
A transição de um lugar para o outro em uma viagem não é um assunto muito explorado por aí e me chamou a atenção ter um capítulo dedicado a isso no livro. O autor mostra seu fascínio por aeroportos e estações de trem, onde observa as pessoas, aviões, trens indo e vindo e divaga sobre deslocamento. Além disso, apresenta escritos do Charles Baudelaire sobre o assunto e analisa obras de Edward Hopper que retratam esses lugares de passagem (postos de estrada, quartos de hotéis etc).

“A vida é um hospital em que cada paciente está obcecado com a ideia de mudar de cama. Este quer sofrer em frente ao radiador, e aquele imagina que melhoraria se estivesse junto à janela. (…) Sempre me parece que estarei bem onde não estou, e essa questão sobre o deslocamento ocupa perenemente minha alma” – Charles Baudelaire

“Há também um prazer psicológico na decolagem, pois a rapidez da ascensão do avião é um símbolo exemplar de transformação. A demonstração de poder pode nos inspirar a imaginar mudanças análogas e decisivas em nossas vidas, a pensar que também poderíamos, um dia, lançar-nos por cima de muito do que hoje pesa sobre nós”

“As viagens são parteiras de pensamentos. Poucos lugares são mais propícios a conversas internas do que um avião, um navio ou um trem em movimento. Existe uma relação quase fantástica entre o que está diante de nossos olhos e os pensamentos que podemos ter: reflexões amplas podem requerer paisagens vastas; novas ideias, novos lugares. Reflexões introspectivas suscetíveis a empacar são auxiliadas pelo fluxo da paisagem”

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Na vila de Tzefat, em Israel. Foto: Débora Costa e Silva

Do exotismo
O que te encanta em um lugar? Se viajar fosse te levar para ver o mesmo que já tem em casa e na sua cidade, talvez não fosse lá tão interessante. É o novo, o diferente, o exótico, muitas vezes, que te marcam em um destino. Neste capítulo, o autor conta de sua viagem para Amsterdã e o que encontrou de diferente em relação a Londres, onde vive, intercalando com as experiências de Gustave Flaubert no Egito.

“Por que se deixar seduzir, em outro país, por algo tão pequeno quanto um portão? Por que se apaixonar por um lugar porque ali circulam bondes e as pessoas raramente usam cortinas em suas casas? Por mais absurdas que possam parecer as intensas reações provocadas por elementos estrangeiros tão pequenos (e calados), o padrão é ao menos conhecido em nossa vida pessoal. Também nela podemos ver-nos vinculando emoções amorosas à maneira como uma pessoa passa manteiga no pão ou nos voltando contra elas por suas preferências em matéria de sapatos. Condenar-nos por essas pequenas atenções é ignorar a riqueza de significados que pode estar contida nos detalhes”

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Viela gracinha em Madri. Foto: Débora Costa e Silva

Da curiosidade
Em uma viagem para Madri, o autor questiona a forma tradicional de explorar um destino turístico, com um guia apontando datas, números e fatos. O que isso nos acrescenta? Com base em um ensaio de Nietzche, ele filosofa sobre o que realmente nos atiça a curiosidade em cada lugar – spoiler: identificar o que se vê com sua vida, seja de forma pessoal ou relacionando com a sua própria cultura.

“Em vez de trazer 1.600 plantas, talvez voltemos de nossas viagens com uma coleção de pensamentos pequenos, despretensiosos, mas ‘enriquecedores da vida'”

“Um dos problemas em viagens é que vemos as coisas no momento errado, antes de termos uma chance de gerar a receptividade necessária e quando novas informações são, portanto, inúteis e fugidias como as contas de colar sem um fio que as prenda”

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Miguel Pereira, no interior do Rio. Foto: Débora Costa e Silva

Do campo e da cidade
Neste capítulo, o autor traz à tona questões sobre a necessidade de estarmos conectados à natureza e de darmos um tempo da vida caótica das cidades. Ele relata sua ida para Lake District, onde nasceu e viveu o poeta William Wordsworth. Ele explora os locais descritos em seus poemas enquanto filosofa sobre o impacto que uma viagem para o campo pode ter em nossas vidas.

“O poeta [William Wordsworth]  propôs que a natureza, que para ele abarcava, entre outros elementos, pássaros, córregos, narcisos e ovelhas, era um corretivo indispensável para os danos psicológicos infligidos pela vida urbana”

“Cenas da natureza têm o poder de nos sugerir certos valores – os carvalhos, dignidade; os pinheiros, resolução; os lagos, calma – e, de maneira discreta, podem agir como inspirações da virtude”

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Salar do Atacama e suas cores durante o pôr do sol. Foto: Débora Costa e Silva

Do sublime
Seguindo a toada do capítulo anterior, o autor continua a divagar sobre como a beleza e a grandeza de algumas paisagens naturais podem nos impactar – mas aqui ele reflete mais sobre a força da natureza do que sobre o choque entre cidade e campo. É sobre contemplar e entender nossa pequenez perante grandes monumentos, seja uma cachoeira, uma geleira, um deserto.

“As paisagens sublimes repetem, em termos solenes, uma lição que a vida cotidiana nos ensina cruelmente: o Universo é mais poderoso do que nós; somos frágeis e transitórios; não temos alternativa senão aceitar limitações à nossa vontade e precisamos nos dobrar a necessidades maiores do que nós mesmos.”

“Essa é a lição inscrita nas pedras do deserto e nas geleiras dos polos de maneira tão grandiosa que podemos voltar dessas paisagens inspirados, não esmagados, pelo que está diante de nós; privilegiados por obedecermos a necessidades tão majestosas. A sensação de assombro pode até evoluir para um desejo de adoração”

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Pôr do sol: campos de trigo próximos de Arles. 1888 – Van Gogh

Da arte que abre os olhos
Um dos capítulos mais bonitos e interessantes é sobre a ida de Van Gogh para a Provença e como este lugar influenciou sua pintura e o que ele viu ali de diferente e de encantador. Há cartas do pintor para familiares que dão pistas de como foi esse processo, além de detalhes da experiência do autor no destino. Uma pena que as imagens do livro são todas em preto e branco.

“Van Gogh, embora apaixonadamente interessado em produzir uma ‘semelhança’, insistia que não seria cuidando das proporções que transmitiria o que era importante no sul [da França]; sua arte envolveria, como ele disse, sarcástico, ao irmão, ‘uma semelhança diferente dos produtos do fotógrafo temente a Deus’. A porção da realidade que o interessava às vezes requeria distorção, omissão e substituição de cores para ser destacada, mas ainda assim era o real – ‘a semelhança’ – que o interessava. Ele estava disposto a sacrificar o realismo ingênuo para alcançar um realismo mais profundo, comportando-se como um poeta que, apesar de menos factual do que um jornalista na descrição de um acontecimento, pode, ainda assim, revelar verdades que não têm lugar na perspectiva literal do outro.”

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Um dos desenhos de John Ruskin

Da posse da beleza
Em tempos em que se fotografa tudo e muito, vale a reflexão desse capítulo sobre esse desejo de captar e guardar tudo de bonito e impactante que vemos. O autor apresenta as ideias de John Ruskin, que defendia o desenho como a melhor forma de registrar alguma cena – mesmo para quem não desenha “bem”. É que ao tentar desenhar, nossa atenção aos detalhes e a contemplação são muito maiores do que se apenas fizermos fotos. Achei sensacional.

“A partir de seu interesse pela beleza e por sua posse, [John] Ruskin chegou a cinco conclusões principais. Primeiro, a beleza resulta de uma variedade complexa de fatores que afetam a mente psicológica e visualmente. Segundo, os seres humanos têm uma tendência inata a reagir à beleza e desejar possuí-la. Terceiro, existem muitas expressões inferiores desse desejo, entre elas o desejo de comprar suvenirs e tapetes, de inscrever o próprio nome em colunas e de tirar fotografias. Quarto, existe apenas uma maneira de se apossar realmente da beleza, que é entendendo-a, tornando-nos conscientes dos fatores (psicológicos e visuais) responsáveis por ela. E, finalmente, a maneira mais eficiente para buscar esse entendimento consciente é pela tentativa de descrever lugares belos através da arte, da escrita ou do desenho, a despeito de termos ou não algum talento para tal”.

“Se o desenho tinha valor mesmo quando praticado por pessoas sem talento, era porque, segundo Ruskin, ele nos ensinava a ver: a reparar, em vez de simplesmente olhar. Nesse processo de recriar com as mãos aquilo que temos diante dos olhos parecemos mover-nos naturalmente de uma posição de observação despreocupada da beleza para outra em que adquirimos uma compreensão profunda de seus elementos constituintes e, portanto, lembranças mais formes dela”

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Minhocão fechado em um domingo, em SP. Foto: Débora Costa e Silva

Do hábito
Para fechar, por meio da obra do francês Xavier de Maistre (“Viagem ao redor do meu quarto”, escrito em 1790), o autor explora o conceito de viajar em seu próprio habitat. Acho que esse é sempre o conselho mais valioso quando se fala sobre viagem: abrir os olhos e explorar sua cidade ou bairro como se estivesse em uma viagem, atento aos detalhes e à beleza de coisas simples.

“(…) a obra de [Xavier] de Maistre emana de uma percepção profunda e sugestiva: o prazer que extraímos das viagens talvez dependa mais do estado de espírito em que viajamos do que do destino. Se pudéssemos aplicar o estado de espírito de quem viaja aos nossos lugares, constataríamos que esses lugares não são menos interessantes do que os desfiladeiros em montanhas altas e as florestas cheias de borboletas da América do Sul (…)”

“Mas o que é o estado de espírito de viajante? Pode-se dizer que a receptividade é sua principal característica. Aproximamo-nos de novos lugares com humildade. Não trazemos ideias rígidas sobre o que é interessante. Causamos irritação aos moradores locais porque paramos em trechos em obras da pista, obstruímos o caminho em ruas estreitas e admiramos o que eles consideram detalhes pequenos e estranhos. Corremos o risco de ser atropelados porque ficamos intrigados com o telhado de um prédio governamental ou com a inscrição de uma parede. Pensamos que um supermercado ou um salão de cabeleireiros é especialmente fascinante. Exploramos de forma interminável a apresentação de um cardápio ou as roupas dos apresentadores do noticiário noturno. Estamos atentos às camadas de história por baixo do presente, tomamos notas e tiramos fotos.”

Thelma & Louise – ou sobre mulheres que viajam sozinhas

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Feminismo, emponderamento, sororidade, #vamosfazerumescândalo, #fightlikeagirl… são tantos termos e hashtags que começaram a pipocar na internet sobre o universo feminino, tantos movimentos, tantas vozes que passaram a ser mais ouvidas, que não há como negar que o girl power (meu termo preferido :P) têm crescido e ganhado cada vez mais força nos últimos anos.

Foi então que finalmente assisti o filme “Thelma & Louise”, o clássico dos clássicos – sim, beirando os 30, uma falha grave mas que acabei de corrigir. É tão maravilhoso e marcante que é até difícil falar sobre. Mas não dá para ter um blog de viagens, ser mulher e não fazer nenhuma menção a ele. Mais do que isso: o momento é oportuno, já que na última semana rolou muita discussão sobre mulheres que viajam sozinhas por conta desse triste episódio das turistas argentinas que foram mortas no Equador. E o mais incrível: foi lançado láaaa em 1991, muito antes do momento feminista que vivemos, décadas depois da queima de sutiãs dos anos 60 e quebra tudo!

Vamos ao filme: “Thelma & Louise” é um road movie dirigido por Ridley Scott e estrelado por Geena Davis e Susan Sarandon – e ainda conta com uma participação especial de Brad Pitt, no início da carreira. A história em si pode não parecer lá muito interessante: duas amigas resolvem passar um fim de semana juntas viajando, acabam cometendo um crime e começam a fugir da polícia – se metendo em altas confusões, como diria a chamada da Sessão da Tarde rs.

Tá, mas não é só isso. É muito mais.  Diz muito sobre ser mulher e o que isso implica nas nossas relações amorosas, profissionais e sociais, na nossa auto-estima e na nossa segurança, pra dizer o mínimo. E como todo bom filme de viagem, tem a combinação de trilha sonora incrível, paisagens inspiradoras e personagens que se libertam ao cair na estrada – e é sobre isso que eu queria falar!

Thelma (Geena Davis) é casada, dona de casa, submissa, faz tudo pelo marido, que a trata mal e não a valoriza. Louise (Susan Sarandon) é garçonete, mais independente e despachada, mas tem um rolo com um cara que volta e meia some por aí. Daí elas resolvem sair para viajar juntas no fim de semana e já aparece um dos problemas: como a Thelma vai pedir ou avisar o marido que vai viajar?

Sem entrar em detalhes ou lançar muitos spoilers para quem ainda não viu (mas vejam, vejam!), elas caem na estrada e na primeira parada já rola a grande treta: em um momento de total descontração e libertação, Thelma dança com um cara em um bar, está lá, se divertindo horrores, até que ele a leva pra fora e tenta transar com ela. Não, ela não está afim, e sim, ele pega pesado e começa a estuprá-la. Até que Louise, que estava em busca da amiga que tinha sumido, tenta salvá-la, mas o cara continua forçando a barra e aí, meus amigos, ela atira nele. Se por um lado você vê isso como um ato heroico, por outro é inegável que elas terão problemas dali pra frente porque o cara morreu e elas decidem fugir e seguir viagem.

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Ao longo do filme elas vão se encrencando cada vez mais durante a fuga e percebendo que será inviável voltar para a cidade e para suas próprias vidas – seja pelo crime, seja pelas transformações que as experiências da viagem foram causando. Ao encarar situações completamente diferentes, elas se redescobrem, se reinventam e se fortalecem. Tem sexo casual, DRs, brigas, mas as personagens também encontram uma na outra apoio e companheirismo – e essa é uma das maiores lições que saquei no filme e estou sacando na vida também com a ajuda do feminismo.

“Mulher não tem amizade, é só competição”, gostam de dizer por aí – e eu mesma já devo ter dito isso algumas vezes, infelizmente. É claro, fomos condicionadas a encarar a outra como a inimiga que pode chamar mais atenção que você e fisgar o teu cara. Porque, né, achar o amor da sua vida é o grande prêmio e ai de alguma biscate que tente roubá-lo. Pô, ter amigas mulheres não devia ser assim e não é se você conseguir enxergar a parceria rica que pode existir entre duas (ou mais) mulheres. Juntas somos mais fortes, sim! E em uma viagem, ter uma amiga como testemunha de tudo o que se está vivendo é maravilhoso.

O caso absurdo das meninas que morreram no Equador e que, mesmo após a morte, não foram poupadas e sim julgadas por estarem “sozinhas” me fez pensar em todas as vezes que deixei de fazer algo mais bacana durante uma viagem por medo de sofrer algum tipo de abuso e violência. Pegar carona, sair à noite sozinha em alguns lugares mais desertos, entrar numa trilha, estar de biquíni (sim, bizarro) e até mesmo decidir fazer uma viagem pode ser mais difícil, dependendo como e para onde. É injusto.

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Quero ser livre para poder experimentar as coisas sem medo, sem sofrer represálias, correndo apenas o risco de viver o desconhecido à vontade e curtir o friozinho na barriga. Seja entre amigas ou não, merecemos ter esse direito. Viajar sozinha é tão incrível, a gente se descobre, aprende a saborear a própria companhia e a se amar.  E é só se amando e fortalecendo a auto-estima que a gente consegue ter forças para superar as dificuldades e combater as injustiças com tudo, sem medo de parecer neurótica, fresca ou louca.

Pra fechar e inspirar, uma das minhas cenas favoritas do filme ❤ e alguns links com textos bacanas sobre mulheres e viagem. E que tenhamos todas um 8 de março cheio de girl power, respeito, parceria e amor.

Para ler mais:

Mas você vai sozinha? – Think Olga

O machismo nosso de cada viagem – Dentro do Mochilão

Sobre viajar sozinha – Delícia de blog

7 motivos para viajar sozinho – Mari Campos

7 relatos de mulheres para te inspirar a viajar sozinha – 360 meridianos

Mulheres viajantes: quebrando horizontes (e paradigmas) – Voopter

Escala cultural :: Escritores na Estrada

Gonzalo Cuellar Mansilla

Da esquerda para a direita: Daud, Tarsila, Renata, Ana e Jeanne. Foto: Gonzalo Cuellar Mansilla

No melhor estilo de turnê de banda, cinco escritores tiveram a ideia de cair na estrada juntos e promover uma série de saraus, oficinas e encontros literários por algumas cidades brasileiras. Os integrantes da trupe são: Ana Rüsche, Jeanne Callegari, Rafael Rocha Daud, Renata Corrêa e Tarsila Mercer de Souza (clique nos nomes para saber mais sobre eles).

O grupo providenciou um veículo, apelidado de Van Poesia,  e convocou mais dois passageiros, o documentarista Fred França e o fotógrafo Gonzalo Cuellar.  A missão: registrar a viagem em fotos e vídeos – e dividir a direção. Com vocês, os Escritores na Estrada!

Van Poesia com todos os integrantes

Van Poesia com todos os integrantes

A ideia do projeto veio da Ana, que além de escritora e poeta, é também uma baita agitadora cultural e promove eventos independentes como o festival literário FLAP, entre outros. Entrevistei no início do mês os escritores para saber mais sobre a iniciativa e a Jeanne explicou que as referências vão além da ideia de turnê musical:

“Existem alguns precedentes na literatura, também. Um exemplo foi a viagem realizada pelos modernistas (Mario de Andrade, Tarsila do Amaral e outros) para o interior de Minas, em 1924, com patrocínio de D. Olivia Penteado e acompanhados do poeta francês Blaise Cendrars. A viagem de duas semanas influenciou enormemente o trabalho dos artistas a partir dali. E foi nessa viagem que conheceram em BH um jovem escritor que despontava – Carlos Drummond de Andrade”.

A primeira etapa da aventura já foi concluída. Os escritores passaram por Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Em setembro, vão para Belo Horizonte e mais para frente devem passar pelo Rio de Janeiro também. Segundo a Renata, “a vontade é repetir, agora indo para o nordeste. Se der certo, o céu é o limite: centro oeste e norte do Brasil possuem cenas literárias muito interessantes também”.

Toda a empreitada não seria possível se não fosse a campanha de arrecadação de fundos por meio de financiamento coletivo.  Eles arrecadaram R$ 17 mil pelo Catarse e ainda venderam livros, promoveram oficinas e até uma pizzada para conseguir ainda mais apoio. E a viagem foi feita num esquema super simples, com pouquíssima bagagem e se hospedando no esquema couch surfing (clique e leia um texto só sobre essa experiência).

Curto Circuito Criativo no Das Nuvens em Curitiba

Curto Circuito Criativo no Das Nuvens em Curitiba

Além de incentivar a produção literária nas cidades que visitaram (e ainda vão visitar), qual a maior motivação para cair na estrada? Minha hipótese é óbvia: viajar é extremamente inspirador para criar algo novo – se já é para mim que não sou artista, imagine para quem tem o dom com as palavras?

Perguntei a eles por que é essencial viajar, eis as respostas de três dos cinco escritores:

Jeanne: É essencial conseguir abrir espaço para a escrita em nossas vidas. Pra isso acontecer, muitas vezes precisamos fazer uma suspensão do cotidiano, mudar de ares, de territórios. A viagem nos proporciona isso. Além disso, queremos encontrar outros escritores e leitores, estar fisicamente perto. Fazer pontes e conexões e estreitar laços.

Renata: O cotidiano e a repetição do dia a dia conseguem nos deixar num estado automatismo que a viagem cura. Estamos em estado de atenção, e isso contribui para o processo de criar, pois acessamos lugares dentro da gente que antes não estavam disponíveis.

Tarsila: É essencial viajar porque o pensamento é construído e difundido não só em textos, mas em ambientes, em “galeras”, em noites de bate papo, em portas de bar, em encontros inesperados, e escrever se trata de traduzir, remixar, revirar tudo isso que ouvimos e sentimos e propor um passo a mais. Não sei dizer se o essencial é “viajar”, é tão possível viajar tanto e não fazer nada disso, e também é possível ficar no mesmo lugar e fazer isso de alguma forma. Mas viajar para construir pontes com outros pequenos universos facilita esse processo, e faz bem pra todo mundo, eu acho.

Ultra recomendo a leitura de todos os posts e relatos sobre a viagem dos Escritores na Estrada! Eu acompanhei quase em tempo real e foi uma delícia de ler. Para quem quiser entender melhor como são as oficinas, este relato esclarece bastante. Vamos aguardar as próximas turnês, o livro sobre a viagem e, por que não, se inspirar a escrever mais quando viajamos! ❤

Escala cultural :: Sense8

sense8

Sense8 é uma série nova do Netflix, lançada em junho, escrita e dirigida pelos irmãos Wachowski (que também fizeram nada mais nada menos que a trilogia Matrix). Há quem ame, há quem odeie. Já declaro que sou do primeiro time e que desde Lost não ficava tão empolgada com uma série. Ok, teve Breaking Bad, mas foi diferente.

Assim como Lost, Sense8 me impactou por mexer com muitas sensações diferentes. Tem humor, ação, suspense, romance, reflexões e aborda temas como moral, sexualidade, autoestima, aceitação e medo – para resumir bem. A história é sobre oito pessoas que passam a se conectadar mental e emocionalmente e a sentir as sensações uns dos outros, podendo inclusive intervir, conversar e apoderarem-se das habilidades e conhecimentos uns dos outros, como se os oito passassem a ser um só.

E o que a série tem a ver com viagem? É que cada um dos oito protagonistas vive em um canto do mundo, de forma que quem assiste acaba viajando e conhecendo um pouquinho de cada lugar. Aliás, as filmagens foram feitas nas próprias cidades retratadas. Para embarcar na viagem, dá só uma olhada na abertura linda da série:

Já deu para sentir um pouquinho a sensação de viajar né? A abertura é tão fodástica que uma galera se dedicou a listar os 108 lugares que aparecem nela! Agora que já tivemos a introdução, vamos a uma breve apresentação de cada personagem e o seu destino correspondente:

Will Gorski – Chicago (EUA)

Will e vista aérea de Chicago. Fotos: Divulgação e Choose Chicago

Will e vista aérea de Chicago. Fotos: Divulgação e Choose Chicago

Quem é: O policial é um dos elementos centrais da trama, pois é ele quem começa a ter um pouco mais de noção do que está acontecendo ce diferente e passa a investigar sobre o que é ser um sensate (como são chamados os que desenvolvem essa ultra sensibilidade e conexão).

Ator: Brian J. Smith. Trailer do personagem no youtube.

Conflitos: Além de ter tido uma relação conflituosa com seu pai, também policial, vive assombrado pela a memória de um assassinato que aconteceu durante sua infância.

Destino: O skyline de Chicago aparece em vários momentos, mas há duas cenas mais marcantes: uma é quando Will celebra o dia da Independência dos Estados Unidos (em 4 de julho) e assiste a uma queima de fogos de um barco, ao lado do seu pai, no próprio rio Chicago. Outra é quando se depara com uma visão na Crown Foutain, um espelho d’água com dois painéis gigantes que projetam fotografias no Millennium Park.

Riley Blue – Londres (Inglaterra) + Reykjavík (Islândia)

Riley e vista aérea de Reykjavik do alto da igreja Hallgrímskirkja. Fotos: Divulgação e Christine Zenino/Creative Commons

Riley e vista aérea de Reykjavik do alto da igreja Hallgrímskirkja. Fotos: Divulgação e Christine Zenino/Creative Commons

Quem é: Uma DJ islandesa que vive em Londres. É bem introspectiva e misteriosa, sempre curtindo um som e fumando haxixe. Sua trajetória na primeira temporada é dividida entre Londres e Reykjavik.

Atriz: Tuppence Middleton. Trailer da personagem no youtube.

Conflitos: Ela se mete em umas confusões por conta de drogas e más companhias, mas o buraco é bem mais embaixo. Mais para frente os conflitos mais íntimos ligados ao seu passado e sua família vão sendo revelados.

Destinos: Assim como Chicago, o skyline de Londres também aparece em belas cenas noturnas. Outros pontos conhecidos como a Millennium Bridge também dão as caras. Mas é na Islândia que são feitas as cenas mais bonitas da série, na minha opinião. Não consegui identificar os lugares, mas as paisagens são sensacionais: aparecem montanhas cobertas de neve, praia cercada de pedras, uma caverna e toda a graciosidade da capital Reykjavik e suas casinhas coloridas.

Nomi Marks – San Francisco (EUA)

Nomi e o Dolores Park, em San Fran. Fotos: Divulgação

Nomi e o Dolores Park, em San Fran. Fotos: Divulgação e sfrecpark.org

Quem é: Tanto a personagem quanto a atriz que a interpreta são transexuais. Nomi é uma hacktivista (hacker ativista) e vive com sua namorada e companheira fiel Amanita.

Atriz: Jamie Clayton. Trailer da personagem no youtube.

Conflitos: Sua família não aceita sua mudança de sexo, já começa por aí. Piora quando acaba no hospital por conta de um acidente e é obrigada pelo medico e por sua mãe a fazer uma operação arriscada sem direito a escolha ou mais informações.

Destino: O lado gay de San Francisco aparece com força na série, até para ambientar bem o casal Nomi e Amanita. Uma das cenas mais legais é quando elas vão à Parada do Orgulho Gay da cidade, ou em um dos flashbacks em que aparece o Dolores Park com a galera toda deitada no gramado, bem no clima de liberdade que a cidade parece ter.

Capheus Van Damme – Nairóbi (Quênia)

Capheus e o trânsito caótico de Nairóbi. Fotos: Divulgação

Capheus e o trânsito caótico de Nairóbi. Fotos: Divulgação e rogiro/Creative Commons

Quem é: Motorista de uma van chamada “Van Damme”, é um dos meus personagens favoritos pelo alto astral e extrema bondade, mesmo em meio às dificuldades financeiras, violência e “gente do mal”.

Ator: Aml Ameen. Trailer do personagem no youtube.

Conflitos: Ele vive em busca de ganhar dinheiro para conseguir comprar os remédios para sua mãe, que é soropositiva. E para isso, acaba passando por situações tensas e extremas.

Destino: Acho que é o único da lista que não é explorado turisticamente. A abertura da série mostra mais a parte caótica do trânsito de Nairóbi e imagens de animais e paisagens naturais que nem aparecem nos episódios. É complicado, porque o que tem de mais turístico acaba sendo os safáris. Mas achei legal que tem um destino africano na lista. Adorei uma hora que perguntam onde ele vive e ele responde “Nairóbi”, e a outra pessoa pergunta “na África?” e ele ri e diz “Não, no Quênia”, dando uma zuada nesse esteriótipo de África.

Sun Bak – Seul (Coreia do Sul)

Sun e o Templo Bongeunsa, em Seul. Fotos: Divulgação e Evan Chu/Creative Commons

Sun e o Templo Bongeunsa, em Seul. Fotos: Divulgação e Evan Chu/Creative Commons

Quem é: Empresária de dia, lutadora de Kickboxing à noite. Brincadeira, mas é mais ou menos assim que eu definiria a Sun, que parece ter duas vidas mesmo: uma em que ela se contém e engole um monte de coisas à contragosto e outra que ela se solta e põe tudo para fora.

Atriz: Doona Bae. Trailer da personagem no youtube.

Conflitos: Ela prometeu à sua mãe, em seu leito de morte, que cuidaria do seu pai e do seu irmão. No entanto, os dois são super machistas e impedem seu crescimento na empresa da família, entre outras coisas mais tensas.

Destino: A série mostra também dois lados de Seul: um mais moderno, com arranha-céus espelhados, e outro mais tradicional, com parques e templos budistas. Mas infelizmente não é um destino muito explorado como os outros nas cenas em que Sun aparece. Senti falta =/

Lito Rodriguez – Cidade do México (México)

Lito, el Caído e o Museo Diego Rivera Anahuacalli. Fotos: Divulgação e Omar Bárcena/Creative Commons

Lito, el Caído e o Museo Diego Rivera Anahuacalli. Fotos: Divulgação e Omar Bárcena/Creative Commons

Quem é: “Lito, El Caído” é o codinome desse ator mexicano de sucesso, galã, estrela de vários filmes de ação e… gay. Leva uma vida dupla: frequenta festas com modelos lindas, mas chega em casa e se entrega para o namorado.

Ator: Miguel Ángel Silvestre. Trailer do personagem no youtube.

Conflitos: Sair do armário e assumir o namorado ou manter as aparências para não prejudicar sua carreira? Imagino que o México não seja lá um país muito gay friendly. É mais conservador e talvez o público das novelas e filmes mexicanos não seja aberto para aceitar a homossexualidade de um de seus principais astros.

Destino: Exceto pela abertura de Sense8, as atrações da Cidade do México não aparecem com tanta frequência. Como Lito é ator, a maioria das cenas é feita nos sets de filmagem ou no próprio apartamento em que vive com seu namorado. Mas há um momento especial, em que Lito está no Museo Diego Rivera Anahuacalli (foto) observando um mural do próprio Rivera e tem um diálogo incrível (o melhor da série para mim) sobre aceitação com a Nomi.

Wolfgang Bogdanow – Berlim (Alemanha)

Wolfgam e o Memorial ao Holocausto, em Berlim. Fotos: Divulgação e Creative Commons

Wolfgang e o Memorial ao Holocausto, em Berlim. Fotos: Divulgação e Márcio Cabral de Moura/Creative Commons

Quem é: Mais um com vida dupla na turma. Oficialmente, Wolfgang é serralheiro, mas também é arrombador de cofres profissional. Ao longo da série vemos que sua infância e adolescência foram bem difíceis e o tornaram mais durão.

Ator: Max Riemelt. Trailer do personagem no youtube.

Conflitos: Tem um passado tensíssimo com seu pai, que o tratava muito mal, e hoje tem que lidar com seu tio e primo, que o perseguem após o roubo do cofre da família. Se contar mais estraga, então fica aí o mistério.

Destino: Apesar de vermos o personagem em muitas cenas de ação, a série mostra também seu lado boêmio. Ele curte bastante a vida noturna de Berlim e aparece relaxando em saunas e piscinas da cidade. O lindo skyline da capital alemã embeleza várias trocas de cenas, mas o Memorial ao Holocausto (foto) é a atração mais marcante de Berlim no seriado, servindo de cenário para um encontro importante.

Kala Dandekar – Mumbai (Índia)

Kala e as ruas de Mumbai tomadas pela festa a Ganesh. Fotos: Divulgação e sandee pachetan/Creative Commons

Kala e as ruas de Mumbai tomadas pela festa a Ganesh. Fotos: Divulgação e sandee pachetan/Creative Commons

Quem é: Kala é uma farmacêutica de Mumbai, orgulhosa de sua profissão, devota de Ganesh e está prestes a se casar.

Atriz: Tina Desai. Trailer da personagem no youtube.

Conflitos: A família e as amigas aprovam o casamento, só que ela não ama o futuro marido. Vive questionando se deve ser casar ou não, afinal, o cara é um bom partido, rico, todo mundo gosta dele e é apaixonado por ela.

Destino: Talvez por ser um destino com uma cultura mais diferente da ocidental, a Índia ganhou bastante espaço na série. Há uma cena de dança no melhor estilo de Bollywood, uma mega produção, outra parte em que mostra Mumbai durante a festa de Ganesh (foto) e o templo hindu frequentado por Kala também é um cenário frequente. Acho que é o lugar em que mais temos a sensação de imersão durante a série.

***

Se interessou? Então para começar a aquecer para a maratona de episódios (são 12 desta primeira temporada), veja uma das cenas mais bonitas da série – e a primeira vez que os oito sensates (como são chamados) se conectam ao mesmo tempo. Não tem spoiler e não estraga a surpresa, fique tranquilo – no meu caso, foi esse vídeo que me fez querer ver a série ❤

Escala Cultural :: Edward Hopper

"Nighthawks", de Edward Hopper

“Nighthawks”, de Edward Hopper

Já parou para pensar quão melancólico pode ser um posto à beira da estrada? Quando fazemos uma pausa durante uma viagem, e acabamos parando em qualquer lugar que tenha banheiros limpos e um lanche honesto, é que podem vir à tona reflexões profundas sobre para onde ir, o que deixamos para trás e por aí vai. Esses intervalos podem causar também uma forte sensação de solidão, afinal, se está no meio do nada e longe de tudo.

No livro “A Arte de Viajar”, de Alain de Botton, há um capítulo inteiro dedicado a esse momento da viagem. Além desses postos de gasolina com lanchonetes, o autor discorre também sobre outros lugares de transição, como aeroportos, estações de trem e até mesmo quartos de hotel.

"Hotel Room" - Edward Hopper

“Hotel Room” – Edward Hopper

“As viagens são parteiras de pensamentos. Poucos lugares são mais propícios a conversas internas do que um avião, um navio ou um trem em movimento”, afirma. E são mesmo – quem nunca teve ideias brilhantes ou fez promessas a si mesmo durante uma viagem?

É por me identificar com essas reflexões que achei tão interessante as obras do pintor e ilustrador americano Edward Hopper (1882-1967), apresentadas neste capítulo do livro de Botton. Muitas de suas pinturas retratam pessoas solitárias – algumas delas em hotéis, estradas, postos, lanchonetes, cafeterias, vagões e paisagens de trens.

"Chair Car" - Edward Hopper

“Chair Car” – Edward Hopper

“As figuras de Hopper parecem distantes de casa; estão sentadas ou de pé, sozinhas, contemplando uma carta à beira da cama de um hotel ou bebendo num bar; observam um trem em movimento pela janela do quarto ou leem um livro no saguão de um hotel. Seus rostos são vulneráveis e introspectivos. Talvez tenham deixado alguém ou tenham sido deixados; estão em busca de trabalho, sexo ou companhia, à deriva em lugares transitórios”, reflete Botton.

"Automat" - Edward Hopper

“Automat” – Edward Hopper

Hopper era um pintor realista e, por conviver com os artistas da Escola Ashcan (movimento que buscava retratar cenas do cotidiano de Nova York) acabou sofrendo algumas influências. Um dos líderes do grupo era Robert Henri, com quem teve aula. Henri era politizado e queria que a arte fosse semelhante ao jornalismo.

Mas só de observar as obras de Hopper dá para ver que elas trazem algo mais do que apenas fatos ou representações de cenas cotidianas. Em uma época que se buscava enaltecer o glamour e os benefícios vida urbana, seus quadros mostram lugares vazios e/ou pessoas solitárias, ou seja, pagava-se um preço pelo progresso.

"Night Windows" - Edward Hopper

“Night Windows” – Edward Hopper

Ele começou ganhando dinheiro com ilustrações para revistas e jornais, chegando a fazer trabalhos para agências publicitárias e tudo. Só passou a ganhar a vida com suas obras após os 40 anos. Mas até chegar lá viajou muito – algo que se reflete bastante em suas pinturas, já que um dos principais temas é viagem.

Foi para Paris três vezes, onde teve contato com as obras de Rembrandt e a poesia de Baudelaire – fato destacado por Botton no livro, onde ele fala da atração de ambos por motéis à beira da estrada e pela vida urbana, por exemplo. Hopper também viajou bastante dentro dos Estados Unidos, tendo atravessado o país de cabo a rabo mais de cinco vezes.

"Morning Sun" - Edward Hopper

“Morning Sun” – Edward Hopper

Entre tantas idas e vindas, passou por inúmeros postos de gasolina, quartos de hotéis, botecos e deve ter sentido toda a liberdade e a solidão que a vida na estrada pode oferecer. Mesmo realistas, suas pinturas traduzem tudo isso. Viajar é maravilhoso, sim, o que não significa que não tenha lá uma boa dose de melancolia também – nas partidas, nas chegadas e até nas paradas.

Se Edward Hopper usasse Instagram e outras redes sociais

Se Edward Hopper usasse Instagram e outras redes sociais – Nastya Ptichek

PS: Uma artista fez releituras das obras de Hopper, como se os personagens retratados em seus quadros estivessem deprimidos nos dias de hoje, buscando companhias e consolo  nas redes sociais. Uma delas é essa imagem acima. Veja as outras.

Projeto leva caminhantes aos cenários do livro Grande Sertão: Veredas

Foto: Mariana Cabral

Foto: Mariana Cabral

Sabe aquelas viagens de imersão, que você conhece a fundo a cultura de uma região e volta transformado? A caminhada d’O Caminho do Sertão é uma dessas. Inspirado pelo universo do clássico de Guimarães Rosa, o “Grande Sertão: Veredas”, o projeto leva pessoas a caminhar pelo sertão de Minas Gerais, percorrendo parte do caminho realizado por Riobaldo, personagem central do livro.

A segunda edição do projeto acontece agora em julho, com duração de sete dias. Os caminhantes vão percorrer 160 km no total, passando pelos vales do rio Urucuia e Carinhanha, Vão dos Buracos (corredor ecológico entre o Parque Nacional Grande Sertão Veredas e o Parque Estadual da Serra das Araras), Estação Ecológica Sagarana e outros pontos, fazendo paradas nas comunidades de cada local.

Foto: Mariana Cabral

Foto: Mariana Cabral

A organização vai disponibilizar veículos para transportar os pertences dos participantes e prestar assistência em situações de emergência caso alguém passe mal ou algo do tipo. Cabe a cada caminhante custear passagens de ida e volta até o distrito de Sagarana, de onde parte a jornada, dividir as despesas de alimentação (metade é oferecida pela organização do evento) e levar sua barraca para acampar.

Para participar, é necessário fazer uma inscrição até o dia 28 de maio. A organização vai selecionar 50 candidatos levando em conta as motivações de cada um e irá divulgar o resultado no dia 3 de junho. É importante lembrar que para embarcar nessa aventura é bom estar com a saúde em dia, pois o calor do sertão e as caminhadas diárias exigem um bom preparo físico.

Foto: Marina Reis

Foto: Marina Reis

Para inspirar os interessados, escolhi dois textos de dois participantes da primeira edição. Primeiro vai um trecho do depoimento da Juliana Pirró. Quem quiser ler na íntegra, clique aqui:

“Por que uma pessoa escolheria caminhar 150km em uma semana no sertão mineiro? Certamente não sei explicar. Mas para mim, foi praticamente um chamado. Uma salada mista de curiosidade de um povo que só tinha lido falar sobre (e aqui ressalto a importância e a beleza com que Guimarães Rosa foi me cativando pelos ditos em Grande Sertão: Veredas), a abertura a outros saberes e dizeres de quem vive na pele o sertão de todo dia, a beleza do cerrado mineiro, a cultura e o folclore, ou a instiga de saber quem seriam os outros 70 caminhantes que topariam o mesmo desafio. Ou será que aliada a tudo isso foi a vontade de me isolar por 7 dias do meu cotidiano e apenas SER?”

Pra fechar, um poema do Jony Pupo, meu amigo que me apresentou o projeto e escreveu várias coisas bonitas sobre a caminhada. Clique aqui para ler na íntegra o post:

Anotações para Todos Nós

Abrir os olhos
Abrir o coração em
caminhada

Que a poeira dos passos
de todos me lave
me leve
para um lugar além
melhor de mim

E, com tantos abraços,
afagos, cantos
e sorrisos

Que o brilho dos olhos
do mundo
possa ser como o dessa gente

Calos, bolhas
e paz, contudo.

***

Vai lá!

Data: de 4 a 12 de julho de 2015

Inscrições: até dia 28 de maio

Informações: caminhodosertao@gmail.com

www.ocaminhodosertao.wordpress.com (site)

www.facebook.com/caminhodosertao (facebook oficial)

Escala cultural :: Série Pan Am

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Aparecia direto no Netflix uma imagem de quatro aeromoças de azul, uniforme retrô e o título “Pan Am” – a mítica companhia aérea dos Estados Unidos. Vi que tinha a Christina Ricci (pra mim, a eterna Vandinha da Família Adams) e me animei a ver, achando que era um filme. Melhor: é uma série!

Exibido entre 2011 e 2012, o programa durou apenas uma temporada de 14 episódios porque não rendeu audiência. De fato, “Pan Am” não teria como se destacar muito frente a tantas séries dinâmicas e com enredos ricos que vêm sendo feitas. Tem outro ritmo e o suspense é pouco. O jornal The Guardian acho que resumiu bem: Mad Men With Wings (Mad Men com asas), por também abusar da nostalgia, já que se passa nos anos 60.

O que não quer dizer que não vale a pena assistir! Vi todos os episódios e fiquei com gostinho de quero mais. Por isso achei bacana contar um pouco do que é a série:

O que é a Pan Am?

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Foi a maior companhia aérea dos Estados Unidos até 1991, quando encerrou as atividades. Começou a operar em 1927, com voo inaugural de Key West para Havana (quem diria!). Em seguida, começou a expandir para todo o continente, dominando o mercado latino americano, com voos para Buenos Aires e Rio de Janeiro.

Nos anos 70, chegou a atender mais de 150 países e estava presente em todos os continentes (exceto a Antártica), mas com a crise do petróleo em 1973 começou a decair. Chegou até a sofrer um ataque terrorista em 1988, quando uma bomba explodiu um de seus aviões. Dali em diante passou a vender rotas e aeronaves às concorrentes Delta e United Arlines até a sua falência.

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Prédio da Pan Am em Nova York. Foto: Acervo Pan Am

Sinopse da série

O seriado se passa em 1963, ou seja, a era de ouro dos Estados Unidos. Nessa época o sonho americano estava no auge e o mundo todo começava a seguir as tendências de moda, música e comportamento do país. A série “Pan Am” acompanha a equipe que faz o primeiro voo Nova York-Londres em um jato, chamado de “Clipper” pela empresa.

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Os protagonistas são as quatro aeromoças, o capitão e o primeiro piloto desse voo. Vamos apresentá-los: Maggie, comissária mais experiente, irreverente e politizada; Colette, francesa que perdeu os pais durante a Segunda Guerra; Kate, que começa a ser espiã do governo americano; e Laura, sua irmã, que abandonou o noivo no altar para viver a aventura de ser uma comissária de bordo. Dean estreia como capitão neste voo e sonha em se casar com uma aeromoça misteriosa que desaparece da empresa, e Ted, o co-piloto, vive frustrado por não ser o capitão.

O enredo mescla bem romance com um pouco de ação, graças a turbulências e outros imprevistos dos voos, mas principalmente graças a Kate, a aeromoça-espiã. A cada episódio ela tem que cumprir uma missão e isso gera uma certa tensão no ar.

O que tem de bom?

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Para quem gosta de viajar, é comum já ter sonhado em ser piloto de avião ou aeromoça. A série foi feita para atiçar ainda mais essa vontade, porque mostra bastante o glamour dessas carreiras na época. O status de ser uma comissária nos anos 60 era altíssimo: elas viajavam o mundo, eram independentes e acabaram se tornando símbolos sexuais dessa geração, pois eram lindas, elegantes e estavam sempre em forma – o que era até um pré-requisito, como mostram algumas cenas da série, quando as mulheres eram obrigadas a se pesar sempre antes de embarcar (!).

“Pan Am” inclui um pouco dos bastidores das aeromoças e dos pilotos na trama – com uma certa dose de romantismo também, é claro. Os episódios trazem à tona os jogos de poder para virar um piloto, as conversas das aeromoças enquanto estão na “copa” do avião, os perrengues com passageiros encrenqueiros, o que acontece quando tem uma turbulência ou emergência, e até situações desagradáveis, como quando uma das aeromoças encontra seu namorado no avião e descobre ali mesmo que ele é casado e tem filhos.

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O contexto histórico é outro ponto interessante da série, que retrata os Estados Unidos em plena Guerra Fria. Há cenas em Cuba, em Berlim e na Rússia e referências ao presidente Kennedy, que governava o país na época. Apesar de o foco não ser esse, os acontecimentos históricos se integram bem à trama.

Para quem curte uma sessão nostalgia, vai adorar se transportar para a série, se imaginar nos anos 60 e observar as diversas mudanças que ocorreram no estilo de viajar nesses anos. Os uniformes das comissárias, a rotina de um voo, as bagagens, o espaço entre os assentos, as refeições e permissões (como fumar à bordo) são diferentes, sim. Mas para quem viaja nada disso importa. O que vale mesmo é a sensação de liberdade ao voar e esperar um mundo novo aparecer na janelinha – e é isso que a série consegue provocar.