Nova York :: Patti Smith

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Patti Smith se apresenta na Congregation Beth Elohim, no Brooklyn. Fotos do post: Débora Costa e Silva

Essa última quinta-feira tive a sorte e a honra de ir ao evento Brooklyn By The Book, com a cantora e escritora Patti Smith. A noite foi incrível e definitivamente foi um dos pontos altos da minha temporada em Nova York. Até então, estava tendo um dia meio esquisito. Tava com a cabeça cheia e acabei me atrapalhando e me atrasando para ir. Entrei no metrô completamente dispersa e apressada, equilibrando nas mãos um copo de café, a bolsa da câmera, o casaco, o celular e o livro “Linha M”, o único que trouxe para ler aqui em Nova York.

O evento aconteceu no Congregation Beth Elohim, uma congregação judaica próxima a estação Grand Army Plaza. Assim que soube, uma semana atrás, logo entrei no site para garantir meu ingresso, mas já estava esgotado. Não me dei por vencida: entrei em contato com a organização e me informaram que haveria um segundo lote à venda. E deu certo! 🙂

Ao me aproximar do local me assustei com a fila, que literalmente dobrava o quarteirão e ia longe. Mesmo com ingresso garantido, cheguei a ficar preocupada, pois não imaginava tanta gente – muitos inclusive com mais de 60 anos, provavelmente da geração que viu a jovem Patti ler poemas e cantar em Nova York no início da carreira. As luzes amareladas da congregação já estavam acesas e iluminavam a calçada e as árvores, dando um tom romântico para o início da noite.

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Como todos que estavam ali, recebi um exemplar do livro “M Train” assim que entrei. Fui para a parte de cima do salão para tentar garantir uma boa visão do palco e, após alguns minutos, ela apareceu acompanhada pelo guitarrista Lenny Kaye. Os aplausos pareciam não ter fim, Patti foi ovacionada. No maior bom humor, fazendo comentários hilários sobre si mesma, logo se desculpou por estar com um pouco de dor de garganta e explicou que não poderia dar autógrafos pois estava com tendinite (ou algo parecido).

Ela apresentou a nova edição do livro, que agora conta com mais fotos e um posfácio, cujos trechos foram declamados ao longo da noite, com algumas canções intercalando as leituras. Me senti em um culto religioso: ao invés da bíblia, tínhamos em mãos o “M Train” e, ao invés de um pastor, lá estava Patti Smith, que assim como imaginava, tem uma presença muito forte, ao mesmo tempo em que fala de um jeito doce e sereno.

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O público ainda teve a chance de fazer algumas perguntas à cantora. Em resposta a um dos fãs, Patti contou que está trabalhando em dois novos livros, um deles o “Sisters”, que fará um paralelo com “Just Kids” (“Só Garotos”), pois vai relatar histórias da mesma época sob outra perspectiva. Ela também fez várias revelações, algumas banais, como o seu inusitado gosto por crocs, mas outras que provocaram aplausos, como sua preferência política pela candidata Hillary Clinton e críticas ao concorrente Donald Trump. “Política é um assunto complicado, mas ele não é qualificado para ser presidente”.

Além de ser uma artista incrível, Patti ainda por cima foi simpática e bem humorada a noite toda, fazendo piadas, comentando assuntos corriqueiros e até dando spoilers de sua série de TV preferida, “The Killing”, ultra citada no livro. Para finalizar o encontro com chave de ouro, cantou “Because The Night” e, no meio da canção, desceu do palco e caminhou pela plateia, batendo palmas animada no ritmo da música.

Lá fora a noite continuava bastante agradável, agora ainda mais bonita com a lua cheia no céu. Fiquei emocionada, o tal culto surtiu efeito em mim. Apesar de não conhecer a fundo sua obra, admiro demais a Patti e saí desse encontro ainda mais encantada. Quando li “Só Garotos”, sua história em Nova York me inspirou muito, foi mais um dos empurrões que recebi para vir para cá. E agora, lendo o “Linha M”, tenho seguido o exemplo dela, indo de café em café para ler, escrever e observar o fluxo, e sinto que estou curtindo a cidade de forma mais leve.

Links na bagagem :: Leituras do mês #1

Sim, sim, sim! A seleção dos favoritos do blog voltou! Só que agora vou fazer a listinha com menos frequência, uma vez por mês, para reunir só o creme de la creme e conseguir cumprir a meta. Afinal, apesar do meu ritmo estar mais lento, as leituras não pararam. Então acho justo que a seção do blog volte aos poucos também. Quem sabe um dia eu volto a fazer toda semana, né?

Já sabe o esquema? Se o texto te interessou, é só clicar no título da matéria em destaque e ler mais 🙂

CNN :: The secret lives of your fellow plane passengers

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O que será que se passa na cabeça dos outros passageiros que dividem o mesmo avião que você? Quem são eles, como vivem, do que se alimentam? Qual história daquela viagem? Toda vez que eu viajava para o Rio de Janeiro para visitar meu pai, passava as seis horas de viagem de ônibus imaginando esse tipo de coisa e com vontade de entrevistar os passageiros. Pois finalmente criaram um projeto para ouvir as pessoas que estão em trânsito: durante um voo, a idealizadora da ação passou de mão em mão um bloquinho com perguntas e coletou inúmeras histórias incríveis!

Razões para acreditar :: Museu da Empatia coloca você no lugar de outras pessoas

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A ideia do museu é simples e genial: colocar os visitantes no lugar do “outro” e tentar promover a empatia. Se isso é realmente possível eu não sei, mas a intenção é essa e eles fazem isso com um ato simbólico: o visitante calça sapatos alheios, para e ouve um áudio com depoimentos do dono do sapato. Mais legal ainda é que montaram uma estrutura para abrigar o museu que simula uma caixa de sapatos.

New York Times :: “Eat, Pray, Love” and Travel

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O best-seller “Comer, Rezar, Amar”, escrito por Elizabeth Gilbert, completa 10 anos e a editora Riverhead Books lança agora uma publicação comemorativa: são 47 histórias de pessoas que se inspiraram na jornada da autora para fazerem suas próprias viagens. Em entrevista ao New York Times, ela fala sobre viagens e faz uma reflexão interessante: talvez a versão mais inocente e verdadeira de nós mesmos é esquecida na vida adulta e viajar é um jeito de revisitar esse nosso lado que foi deixado pra trás. ❤

Diário de Bicicleta

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O jornalista Pedro Sibahi fez uma viagem incrível de bike pela América Latina saindo do Brasil e passando pelo Paraguai, Argentina, Chile e Bolívia. Estive acompanhando suas aventuras na página do Facebook do projeto, além do site em si. Estou andando cada vez mais de bike e foi uma inspiração e tanto ler os relatos dos passeios e perrengues dessa viagem – e começar a sonhar em fazer uma também.

Viaje na Viagem :: Casa particular em Cuba

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A Mariana Amaral fez uma viagem recentemente para Cuba e vem fazendo posts no site Viaje na Viagem. Um dos que mais gostei é esse, sobre as casas particulares de Cuba, talvez por ter sido uma das experiências mais legais que já fiz em viagens. Ela relata como foi a sua busca e o que encontrou nas hospedagens, além de dar dicas preciosas de como reservar e se planejar. “Estar hospedado em uma casa particular é ter o privilégio de poder espiar como é a vida de uma família cubana um pouquinho mais de perto”.

The New Yorker :: The Secret Lives of Amtrak Passengers

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A série “In Search of Great Men” do fotógrafo McNair Evans revela por meio de imagens um pouco da vida – e dos sonhos, dificuldades, anseios, confusões – dos passageiros que atravessam os Estados Unidos de trem. A reportagem conta como foi esse processo e mostra que muitos dos viajantes fotografados passavam por momentos de transição em suas vidas. “Uma viagem pode promover um renascimento ou pode matar um sonho”, disse um dos retratados.

Viagem sem fim :: As viagens de Mia Couto

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Meu amigo Daniel Ribeiro estreou recentemente seu blog Viagem Sem Fim no Estadão e já começou em alto estilo publicando uma entrevista com o escritor moçambicano Mia Couto. A troca de ideias é inspiradora, tem memórias de infância, questionamentos e traz um olhar bem diferente e sensível sobre o assunto. “[As Viagens] só mudam se as pessoas viajarem por dentro. Se elas estiverem disponíveis para o encontro, se estiverem disponíveis a deixarem de ser quem são”. Coisa linda! ❤

360meridianos :: Na natureza selvagem e a síndrome de Alex Supertramp

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Esse texto eu até compartilhei na página do Papetes no Facebook, porque achei incrível essa análise sobre o porquê da saga de Christopher McCandless, que inspirou o livro e o filme “Na Natureza Selvagem”, ter se tornado tão fascinante. O roteiro de sua peregrinação até o Alasca inclusive é feito por centenas de viajantes.

Entre os pontos interessantes que foram levantados pela autora Natália Becattini, gosto deste trecho: “(…) é alentador imaginar que as respostas às nossas preocupações e vazios existenciais estão escondidas em algum lugar no meio da natureza. Ou talvez tenhamos que ir tão longe em nossas jornadas pessoais para chegar à mesma conclusão de Chris McCandless em seus últimos dias: ‘A felicidade só é real quando partilhada'”.

Escala cultural :: A Arte de Viajar

30175164Taí um livro de cabeceira para quem gosta de viajar – e de quebra pirar um pouquinho sobre o assunto. “A Arte de Viajar”, do Alain de Botton, é pra ler com lápis e ir grifando, porque tem muitas frases e sacadas legais. Melhor ainda é levar para ler durante uma viagem, de preferência longa, com várias horas de voo ou estrada, para entrar na piração e filosofar junto.

O autor discorre sobre alguns temas relacionados a viagem, contando histórias pessoais e misturando com experiências e escritos de autores e artistas consagrados que também já se debruçaram sobre o assunto. Ao longo do livro vamos descobrindo como algumas vivências na estrada influenciaram a vida e a obra de caras como Van Gogh, Charles Baudelaire, Gustave Flaubert e às vezes acabamos conhecendo outros (como foi o meu caso), como Edward Hopper, Alexander von Humboldt e John Ruskin.

Apesar de ter adorado o livro, confesso que demorei um pouco para engrenar. Não sei se foi o começo, com ritmo mais lento e muito descritivo, que acabou me desmotivando, mas caso isso também aconteça com você, eu garanto que vale a pena persistir. Depois do primeiro capítulo, já nos acostumamos com o estilo do autor e as histórias e os temas apresentados vão ficando mais interessantes.

Um post só não dá conta de tudo que tem de bacana nesse livro – tanto é que no meio da leitura não aguentei e fiz um texto só sobre a relação das obras do Edward Hopper (clique no nome para ler) com viagens. O autor divide os capítulos pelos seguintes assuntos: partida, motivações, paisagem, arte e retorno e há ainda ramificações de cada um deles. Pra facilitar, resolvi separar em tópicos as frases e sacadas mais interessante de cada tema (todas as citações são do próprio Alain de Botton, exceto quando há outro nome indicado):

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Na piscina do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Foto: Débora Costa e Silva

Da expectativa
O autor começa contando como um simples panfleto promocional da ilha de Barbados pode influenciar uma pessoa a viajar – no caso ele próprio. E aí ele filosofa sobre o que esperamos de uma viagem e como a realidade pode frustrar, relacionando suas experiências com o romance “Às avessas”, de J-K Huysmans de 1884, em que o personagem principal divaga sobre esse mesmo assunto, cheio de sarcasmo e pessimismo.

“Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio – com toda a sua empolgação e seus paradoxos – quanto o ato de viajar. Ainda que de maneira desarticulada, ele expressa um entendimento de como a vida poderia ser fora das limitações do trabalho e da luta pela sobrevivência. Mas raramente se considera que as viagens apresentem problemas filosóficos – ou seja, questões convidando à reflexão além do nível prático. Somos inundados por recomendações sobre os lugares para onde viajar, mas pouco ouvimos sobre como e por que deveríamos ir”

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Na estrada, voltando do Rio para São Paulo. Foto: Débora Costa e Silva

Dos destinos de viagem
A transição de um lugar para o outro em uma viagem não é um assunto muito explorado por aí e me chamou a atenção ter um capítulo dedicado a isso no livro. O autor mostra seu fascínio por aeroportos e estações de trem, onde observa as pessoas, aviões, trens indo e vindo e divaga sobre deslocamento. Além disso, apresenta escritos do Charles Baudelaire sobre o assunto e analisa obras de Edward Hopper que retratam esses lugares de passagem (postos de estrada, quartos de hotéis etc).

“A vida é um hospital em que cada paciente está obcecado com a ideia de mudar de cama. Este quer sofrer em frente ao radiador, e aquele imagina que melhoraria se estivesse junto à janela. (…) Sempre me parece que estarei bem onde não estou, e essa questão sobre o deslocamento ocupa perenemente minha alma” – Charles Baudelaire

“Há também um prazer psicológico na decolagem, pois a rapidez da ascensão do avião é um símbolo exemplar de transformação. A demonstração de poder pode nos inspirar a imaginar mudanças análogas e decisivas em nossas vidas, a pensar que também poderíamos, um dia, lançar-nos por cima de muito do que hoje pesa sobre nós”

“As viagens são parteiras de pensamentos. Poucos lugares são mais propícios a conversas internas do que um avião, um navio ou um trem em movimento. Existe uma relação quase fantástica entre o que está diante de nossos olhos e os pensamentos que podemos ter: reflexões amplas podem requerer paisagens vastas; novas ideias, novos lugares. Reflexões introspectivas suscetíveis a empacar são auxiliadas pelo fluxo da paisagem”

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Na vila de Tzefat, em Israel. Foto: Débora Costa e Silva

Do exotismo
O que te encanta em um lugar? Se viajar fosse te levar para ver o mesmo que já tem em casa e na sua cidade, talvez não fosse lá tão interessante. É o novo, o diferente, o exótico, muitas vezes, que te marcam em um destino. Neste capítulo, o autor conta de sua viagem para Amsterdã e o que encontrou de diferente em relação a Londres, onde vive, intercalando com as experiências de Gustave Flaubert no Egito.

“Por que se deixar seduzir, em outro país, por algo tão pequeno quanto um portão? Por que se apaixonar por um lugar porque ali circulam bondes e as pessoas raramente usam cortinas em suas casas? Por mais absurdas que possam parecer as intensas reações provocadas por elementos estrangeiros tão pequenos (e calados), o padrão é ao menos conhecido em nossa vida pessoal. Também nela podemos ver-nos vinculando emoções amorosas à maneira como uma pessoa passa manteiga no pão ou nos voltando contra elas por suas preferências em matéria de sapatos. Condenar-nos por essas pequenas atenções é ignorar a riqueza de significados que pode estar contida nos detalhes”

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Viela gracinha em Madri. Foto: Débora Costa e Silva

Da curiosidade
Em uma viagem para Madri, o autor questiona a forma tradicional de explorar um destino turístico, com um guia apontando datas, números e fatos. O que isso nos acrescenta? Com base em um ensaio de Nietzche, ele filosofa sobre o que realmente nos atiça a curiosidade em cada lugar – spoiler: identificar o que se vê com sua vida, seja de forma pessoal ou relacionando com a sua própria cultura.

“Em vez de trazer 1.600 plantas, talvez voltemos de nossas viagens com uma coleção de pensamentos pequenos, despretensiosos, mas ‘enriquecedores da vida'”

“Um dos problemas em viagens é que vemos as coisas no momento errado, antes de termos uma chance de gerar a receptividade necessária e quando novas informações são, portanto, inúteis e fugidias como as contas de colar sem um fio que as prenda”

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Miguel Pereira, no interior do Rio. Foto: Débora Costa e Silva

Do campo e da cidade
Neste capítulo, o autor traz à tona questões sobre a necessidade de estarmos conectados à natureza e de darmos um tempo da vida caótica das cidades. Ele relata sua ida para Lake District, onde nasceu e viveu o poeta William Wordsworth. Ele explora os locais descritos em seus poemas enquanto filosofa sobre o impacto que uma viagem para o campo pode ter em nossas vidas.

“O poeta [William Wordsworth]  propôs que a natureza, que para ele abarcava, entre outros elementos, pássaros, córregos, narcisos e ovelhas, era um corretivo indispensável para os danos psicológicos infligidos pela vida urbana”

“Cenas da natureza têm o poder de nos sugerir certos valores – os carvalhos, dignidade; os pinheiros, resolução; os lagos, calma – e, de maneira discreta, podem agir como inspirações da virtude”

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Salar do Atacama e suas cores durante o pôr do sol. Foto: Débora Costa e Silva

Do sublime
Seguindo a toada do capítulo anterior, o autor continua a divagar sobre como a beleza e a grandeza de algumas paisagens naturais podem nos impactar – mas aqui ele reflete mais sobre a força da natureza do que sobre o choque entre cidade e campo. É sobre contemplar e entender nossa pequenez perante grandes monumentos, seja uma cachoeira, uma geleira, um deserto.

“As paisagens sublimes repetem, em termos solenes, uma lição que a vida cotidiana nos ensina cruelmente: o Universo é mais poderoso do que nós; somos frágeis e transitórios; não temos alternativa senão aceitar limitações à nossa vontade e precisamos nos dobrar a necessidades maiores do que nós mesmos.”

“Essa é a lição inscrita nas pedras do deserto e nas geleiras dos polos de maneira tão grandiosa que podemos voltar dessas paisagens inspirados, não esmagados, pelo que está diante de nós; privilegiados por obedecermos a necessidades tão majestosas. A sensação de assombro pode até evoluir para um desejo de adoração”

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Pôr do sol: campos de trigo próximos de Arles. 1888 – Van Gogh

Da arte que abre os olhos
Um dos capítulos mais bonitos e interessantes é sobre a ida de Van Gogh para a Provença e como este lugar influenciou sua pintura e o que ele viu ali de diferente e de encantador. Há cartas do pintor para familiares que dão pistas de como foi esse processo, além de detalhes da experiência do autor no destino. Uma pena que as imagens do livro são todas em preto e branco.

“Van Gogh, embora apaixonadamente interessado em produzir uma ‘semelhança’, insistia que não seria cuidando das proporções que transmitiria o que era importante no sul [da França]; sua arte envolveria, como ele disse, sarcástico, ao irmão, ‘uma semelhança diferente dos produtos do fotógrafo temente a Deus’. A porção da realidade que o interessava às vezes requeria distorção, omissão e substituição de cores para ser destacada, mas ainda assim era o real – ‘a semelhança’ – que o interessava. Ele estava disposto a sacrificar o realismo ingênuo para alcançar um realismo mais profundo, comportando-se como um poeta que, apesar de menos factual do que um jornalista na descrição de um acontecimento, pode, ainda assim, revelar verdades que não têm lugar na perspectiva literal do outro.”

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Um dos desenhos de John Ruskin

Da posse da beleza
Em tempos em que se fotografa tudo e muito, vale a reflexão desse capítulo sobre esse desejo de captar e guardar tudo de bonito e impactante que vemos. O autor apresenta as ideias de John Ruskin, que defendia o desenho como a melhor forma de registrar alguma cena – mesmo para quem não desenha “bem”. É que ao tentar desenhar, nossa atenção aos detalhes e a contemplação são muito maiores do que se apenas fizermos fotos. Achei sensacional.

“A partir de seu interesse pela beleza e por sua posse, [John] Ruskin chegou a cinco conclusões principais. Primeiro, a beleza resulta de uma variedade complexa de fatores que afetam a mente psicológica e visualmente. Segundo, os seres humanos têm uma tendência inata a reagir à beleza e desejar possuí-la. Terceiro, existem muitas expressões inferiores desse desejo, entre elas o desejo de comprar suvenirs e tapetes, de inscrever o próprio nome em colunas e de tirar fotografias. Quarto, existe apenas uma maneira de se apossar realmente da beleza, que é entendendo-a, tornando-nos conscientes dos fatores (psicológicos e visuais) responsáveis por ela. E, finalmente, a maneira mais eficiente para buscar esse entendimento consciente é pela tentativa de descrever lugares belos através da arte, da escrita ou do desenho, a despeito de termos ou não algum talento para tal”.

“Se o desenho tinha valor mesmo quando praticado por pessoas sem talento, era porque, segundo Ruskin, ele nos ensinava a ver: a reparar, em vez de simplesmente olhar. Nesse processo de recriar com as mãos aquilo que temos diante dos olhos parecemos mover-nos naturalmente de uma posição de observação despreocupada da beleza para outra em que adquirimos uma compreensão profunda de seus elementos constituintes e, portanto, lembranças mais formes dela”

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Minhocão fechado em um domingo, em SP. Foto: Débora Costa e Silva

Do hábito
Para fechar, por meio da obra do francês Xavier de Maistre (“Viagem ao redor do meu quarto”, escrito em 1790), o autor explora o conceito de viajar em seu próprio habitat. Acho que esse é sempre o conselho mais valioso quando se fala sobre viagem: abrir os olhos e explorar sua cidade ou bairro como se estivesse em uma viagem, atento aos detalhes e à beleza de coisas simples.

“(…) a obra de [Xavier] de Maistre emana de uma percepção profunda e sugestiva: o prazer que extraímos das viagens talvez dependa mais do estado de espírito em que viajamos do que do destino. Se pudéssemos aplicar o estado de espírito de quem viaja aos nossos lugares, constataríamos que esses lugares não são menos interessantes do que os desfiladeiros em montanhas altas e as florestas cheias de borboletas da América do Sul (…)”

“Mas o que é o estado de espírito de viajante? Pode-se dizer que a receptividade é sua principal característica. Aproximamo-nos de novos lugares com humildade. Não trazemos ideias rígidas sobre o que é interessante. Causamos irritação aos moradores locais porque paramos em trechos em obras da pista, obstruímos o caminho em ruas estreitas e admiramos o que eles consideram detalhes pequenos e estranhos. Corremos o risco de ser atropelados porque ficamos intrigados com o telhado de um prédio governamental ou com a inscrição de uma parede. Pensamos que um supermercado ou um salão de cabeleireiros é especialmente fascinante. Exploramos de forma interminável a apresentação de um cardápio ou as roupas dos apresentadores do noticiário noturno. Estamos atentos às camadas de história por baixo do presente, tomamos notas e tiramos fotos.”

Escala cultural :: Escritores na Estrada

Gonzalo Cuellar Mansilla

Da esquerda para a direita: Daud, Tarsila, Renata, Ana e Jeanne. Foto: Gonzalo Cuellar Mansilla

No melhor estilo de turnê de banda, cinco escritores tiveram a ideia de cair na estrada juntos e promover uma série de saraus, oficinas e encontros literários por algumas cidades brasileiras. Os integrantes da trupe são: Ana Rüsche, Jeanne Callegari, Rafael Rocha Daud, Renata Corrêa e Tarsila Mercer de Souza (clique nos nomes para saber mais sobre eles).

O grupo providenciou um veículo, apelidado de Van Poesia,  e convocou mais dois passageiros, o documentarista Fred França e o fotógrafo Gonzalo Cuellar.  A missão: registrar a viagem em fotos e vídeos – e dividir a direção. Com vocês, os Escritores na Estrada!

Van Poesia com todos os integrantes

Van Poesia com todos os integrantes

A ideia do projeto veio da Ana, que além de escritora e poeta, é também uma baita agitadora cultural e promove eventos independentes como o festival literário FLAP, entre outros. Entrevistei no início do mês os escritores para saber mais sobre a iniciativa e a Jeanne explicou que as referências vão além da ideia de turnê musical:

“Existem alguns precedentes na literatura, também. Um exemplo foi a viagem realizada pelos modernistas (Mario de Andrade, Tarsila do Amaral e outros) para o interior de Minas, em 1924, com patrocínio de D. Olivia Penteado e acompanhados do poeta francês Blaise Cendrars. A viagem de duas semanas influenciou enormemente o trabalho dos artistas a partir dali. E foi nessa viagem que conheceram em BH um jovem escritor que despontava – Carlos Drummond de Andrade”.

A primeira etapa da aventura já foi concluída. Os escritores passaram por Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre. Em setembro, vão para Belo Horizonte e mais para frente devem passar pelo Rio de Janeiro também. Segundo a Renata, “a vontade é repetir, agora indo para o nordeste. Se der certo, o céu é o limite: centro oeste e norte do Brasil possuem cenas literárias muito interessantes também”.

Toda a empreitada não seria possível se não fosse a campanha de arrecadação de fundos por meio de financiamento coletivo.  Eles arrecadaram R$ 17 mil pelo Catarse e ainda venderam livros, promoveram oficinas e até uma pizzada para conseguir ainda mais apoio. E a viagem foi feita num esquema super simples, com pouquíssima bagagem e se hospedando no esquema couch surfing (clique e leia um texto só sobre essa experiência).

Curto Circuito Criativo no Das Nuvens em Curitiba

Curto Circuito Criativo no Das Nuvens em Curitiba

Além de incentivar a produção literária nas cidades que visitaram (e ainda vão visitar), qual a maior motivação para cair na estrada? Minha hipótese é óbvia: viajar é extremamente inspirador para criar algo novo – se já é para mim que não sou artista, imagine para quem tem o dom com as palavras?

Perguntei a eles por que é essencial viajar, eis as respostas de três dos cinco escritores:

Jeanne: É essencial conseguir abrir espaço para a escrita em nossas vidas. Pra isso acontecer, muitas vezes precisamos fazer uma suspensão do cotidiano, mudar de ares, de territórios. A viagem nos proporciona isso. Além disso, queremos encontrar outros escritores e leitores, estar fisicamente perto. Fazer pontes e conexões e estreitar laços.

Renata: O cotidiano e a repetição do dia a dia conseguem nos deixar num estado automatismo que a viagem cura. Estamos em estado de atenção, e isso contribui para o processo de criar, pois acessamos lugares dentro da gente que antes não estavam disponíveis.

Tarsila: É essencial viajar porque o pensamento é construído e difundido não só em textos, mas em ambientes, em “galeras”, em noites de bate papo, em portas de bar, em encontros inesperados, e escrever se trata de traduzir, remixar, revirar tudo isso que ouvimos e sentimos e propor um passo a mais. Não sei dizer se o essencial é “viajar”, é tão possível viajar tanto e não fazer nada disso, e também é possível ficar no mesmo lugar e fazer isso de alguma forma. Mas viajar para construir pontes com outros pequenos universos facilita esse processo, e faz bem pra todo mundo, eu acho.

Ultra recomendo a leitura de todos os posts e relatos sobre a viagem dos Escritores na Estrada! Eu acompanhei quase em tempo real e foi uma delícia de ler. Para quem quiser entender melhor como são as oficinas, este relato esclarece bastante. Vamos aguardar as próximas turnês, o livro sobre a viagem e, por que não, se inspirar a escrever mais quando viajamos! ❤

Links na bagagem :: Leituras da semana #9

Essa semana o assunto tá bem variado por aqui. Eu diria até que está numa fase hard news, com assuntos meio incomuns de aparecerem nos noticiários de turismo, tipo Haiti, o museu de armas da Rússia (!?!) e um iraniano dando uma daquelas volta ao mundo muito loucas.

Mas tem também duas dicas mais relacionadas à tecnologia, como o mapa mostra livros para cada destino e o infográfico que revela os lugares mais buscados em banco de imagens. Divirta-se!

O que eu aprendi com o Haiti – 360 Meridianos

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O Gustavo Azeredo conta neste texto suas impressões do país quando esteve por lá turistando. Isso mesmo, ele foi para o Haiti a passeio. Acabou se hospedando em um lugar que era “meio Ong meio hostel” e logo no primeiro dia já presenciou uma manifestação com pedras e pneus queimados. Mas também visitou museu, montanhas, cachoeira e praia com mar caribenho. Inusitado é pouco, vale a pena ler o relato!

Erros que a gente pensa que é muito esperto para cometer em viagens – Go to Gate

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O blog da Bruna Caricati é demais e eu adoro quando ela faz essas listas com dicas mega práticas para viajantes. É o caso desta daqui, que reúne umas coisas que às vezes esquecemos, e outras que nem sabemos. Eu mesma uso super pouco as vantagens do meu cartão de crédito por pura preguiça falta de costume. Outro toque legal é a de verificar bem o carro que vai alugar e fotografar para não pagar por danos que você não causou.

Infográfico traz imagens dos países mais procurados do mundo – Follow the Collors

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Genial este infográfico do banco de imagens Shutterstock, que mostra quais países têm sido mais procurados no sistema. O resultado? Eu jamais acertaria: Madagascar. Outra informação interessante é a palavra-chave mais buscada. A que teve mais crescimento foi “aventura”. É legal para ter uma ideia das tendências de viagens 😉

Putin abre parque temático com armas ao invés de brinquedos – Marcelo Rubens Paiva

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Daquelas coisas surreais que a gente encontra por aí: a Rússia está inaugurando a Disneylândia Militar. O presidente Vladimir Putin criou este parque para celebrar os grandes feitos da URSS, mostrar armas antes secretas e, pior, deixar crianças brincarem com  lançadores de granadas, tanques e afins. No final, a lojinha vende camisetas com o rosto de Putin e banners com dizeres patrióticos da Segunda Guerra. Tem gosto para tudo…

Iraniano para volta ao mundo em barco-bicicleta por multa da receita – Folha de S. Paulo

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Imagine topar no meio do trânsito com essa máquina? Minha amiga Andrezza teve a honra de encontrar esse barco-bicicleta estacionado na garagem do seu prédio e divulgou essa notícia bizarra. Apesar de o cara ter levado uma multa (e ser essa a notícia), eu já fiquei chocada com a aventura inusitada que esse cara se propôs.

Ebrahim Hemmatnia começou sua viagem em Dacar, no Senegal, com destino a Fortaleza. Depois de atravessar o Atlântico, ele veio pedalando até São Paulo. Após resolver as burocracias causadas pela Receita, ele pretende seguir até a Argentina, depois passar pelo Chile e pelo Peru e de lá atravessar o Pacífico até a Austrália! 😮

Google Maps dos livros mostra onde cada história se passa – Catraca Livre

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Minha amiga Maíra que postou esse projeto sensacional, o Lovereading. Uma organização britânica marcou em um mapa as localizações de diversas obras literárias – já são mais de 200! Por enquanto ainda não inclui o Brasil, mas a boa notícia é que qualquer um pode adicionar itens ao mapa. A ideia resultou em uma ferramenta ótima que pode te ajudar a escolher o livro de acordo com o destino ❤

I was going through followers other day – Oh I see Red!

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Pra fechar, um texto que nada tem a ver com viagem, mas com blogs. A artista Red Hong Yi, que faz retratos incríveis de tudo quanto é tipo de material, compartilhou esse manifesto que diz basicamente: não desista do seu blog. O autor conta que vários sites que acompanha dão intervalos longos e às vezes nunca mais voltam a ser atualizados.

Ele pede que insistam em seus relatos, mesmo tendo poucos leitores, pois o objetivo não pode ser só audiência. A ideia é ver o seu blog como uma contribuição sua para o mundo, que cada um tem sua voz e sua visão e nenhuma merece ser descartada. Ler isso me deu ainda mais gás para manter o Papetes atualizado, aconteça o que acontecer 🙂

Projeto leva caminhantes aos cenários do livro Grande Sertão: Veredas

Foto: Mariana Cabral

Foto: Mariana Cabral

Sabe aquelas viagens de imersão, que você conhece a fundo a cultura de uma região e volta transformado? A caminhada d’O Caminho do Sertão é uma dessas. Inspirado pelo universo do clássico de Guimarães Rosa, o “Grande Sertão: Veredas”, o projeto leva pessoas a caminhar pelo sertão de Minas Gerais, percorrendo parte do caminho realizado por Riobaldo, personagem central do livro.

A segunda edição do projeto acontece agora em julho, com duração de sete dias. Os caminhantes vão percorrer 160 km no total, passando pelos vales do rio Urucuia e Carinhanha, Vão dos Buracos (corredor ecológico entre o Parque Nacional Grande Sertão Veredas e o Parque Estadual da Serra das Araras), Estação Ecológica Sagarana e outros pontos, fazendo paradas nas comunidades de cada local.

Foto: Mariana Cabral

Foto: Mariana Cabral

A organização vai disponibilizar veículos para transportar os pertences dos participantes e prestar assistência em situações de emergência caso alguém passe mal ou algo do tipo. Cabe a cada caminhante custear passagens de ida e volta até o distrito de Sagarana, de onde parte a jornada, dividir as despesas de alimentação (metade é oferecida pela organização do evento) e levar sua barraca para acampar.

Para participar, é necessário fazer uma inscrição até o dia 28 de maio. A organização vai selecionar 50 candidatos levando em conta as motivações de cada um e irá divulgar o resultado no dia 3 de junho. É importante lembrar que para embarcar nessa aventura é bom estar com a saúde em dia, pois o calor do sertão e as caminhadas diárias exigem um bom preparo físico.

Foto: Marina Reis

Foto: Marina Reis

Para inspirar os interessados, escolhi dois textos de dois participantes da primeira edição. Primeiro vai um trecho do depoimento da Juliana Pirró. Quem quiser ler na íntegra, clique aqui:

“Por que uma pessoa escolheria caminhar 150km em uma semana no sertão mineiro? Certamente não sei explicar. Mas para mim, foi praticamente um chamado. Uma salada mista de curiosidade de um povo que só tinha lido falar sobre (e aqui ressalto a importância e a beleza com que Guimarães Rosa foi me cativando pelos ditos em Grande Sertão: Veredas), a abertura a outros saberes e dizeres de quem vive na pele o sertão de todo dia, a beleza do cerrado mineiro, a cultura e o folclore, ou a instiga de saber quem seriam os outros 70 caminhantes que topariam o mesmo desafio. Ou será que aliada a tudo isso foi a vontade de me isolar por 7 dias do meu cotidiano e apenas SER?”

Pra fechar, um poema do Jony Pupo, meu amigo que me apresentou o projeto e escreveu várias coisas bonitas sobre a caminhada. Clique aqui para ler na íntegra o post:

Anotações para Todos Nós

Abrir os olhos
Abrir o coração em
caminhada

Que a poeira dos passos
de todos me lave
me leve
para um lugar além
melhor de mim

E, com tantos abraços,
afagos, cantos
e sorrisos

Que o brilho dos olhos
do mundo
possa ser como o dessa gente

Calos, bolhas
e paz, contudo.

***

Vai lá!

Data: de 4 a 12 de julho de 2015

Inscrições: até dia 28 de maio

Informações: caminhodosertao@gmail.com

www.ocaminhodosertao.wordpress.com (site)

www.facebook.com/caminhodosertao (facebook oficial)