No livro “A Arte de Viajar”, de Alain de Botton, há um capítulo inteiro dedicado a esse momento da viagem. Além desses postos de gasolina com lanchonetes, o autor discorre também sobre outros lugares de transição, como aeroportos, estações de trem e até mesmo quartos de hotel.
“As viagens são parteiras de pensamentos. Poucos lugares são mais propícios a conversas internas do que um avião, um navio ou um trem em movimento”, afirma. E são mesmo – quem nunca teve ideias brilhantes ou fez promessas a si mesmo durante uma viagem?É por me identificar com essas reflexões que achei tão interessante as obras do pintor e ilustrador americano Edward Hopper (1882-1967), apresentadas neste capítulo do livro de Botton. Muitas de suas pinturas retratam pessoas solitárias – algumas delas em hotéis, estradas, postos, lanchonetes, cafeterias, vagões e paisagens de trens.
“As figuras de Hopper parecem distantes de casa; estão sentadas ou de pé, sozinhas, contemplando uma carta à beira da cama de um hotel ou bebendo num bar; observam um trem em movimento pela janela do quarto ou leem um livro no saguão de um hotel. Seus rostos são vulneráveis e introspectivos. Talvez tenham deixado alguém ou tenham sido deixados; estão em busca de trabalho, sexo ou companhia, à deriva em lugares transitórios”, reflete Botton. Hopper era um pintor realista e, por conviver com os artistas da Escola Ashcan (movimento que buscava retratar cenas do cotidiano de Nova York) acabou sofrendo algumas influências. Um dos líderes do grupo era Robert Henri, com quem teve aula. Henri era politizado e queria que a arte fosse semelhante ao jornalismo.Mas só de observar as obras de Hopper dá para ver que elas trazem algo mais do que apenas fatos ou representações de cenas cotidianas. Em uma época que se buscava enaltecer o glamour e os benefícios vida urbana, seus quadros mostram lugares vazios e/ou pessoas solitárias, ou seja, pagava-se um preço pelo progresso.
Ele começou ganhando dinheiro com ilustrações para revistas e jornais, chegando a fazer trabalhos para agências publicitárias e tudo. Só passou a ganhar a vida com suas obras após os 40 anos. Mas até chegar lá viajou muito – algo que se reflete bastante em suas pinturas, já que um dos principais temas é viagem.Foi para Paris três vezes, onde teve contato com as obras de Rembrandt e a poesia de Baudelaire – fato destacado por Botton no livro, onde ele fala da atração de ambos por motéis à beira da estrada e pela vida urbana, por exemplo. Hopper também viajou bastante dentro dos Estados Unidos, tendo atravessado o país de cabo a rabo mais de cinco vezes.
Entre tantas idas e vindas, passou por inúmeros postos de gasolina, quartos de hotéis, botecos e deve ter sentido toda a liberdade e a solidão que a vida na estrada pode oferecer. Mesmo realistas, suas pinturas traduzem tudo isso. Viajar é maravilhoso, sim, o que não significa que não tenha lá uma boa dose de melancolia também – nas partidas, nas chegadas e até nas paradas. PS: Uma artista fez releituras das obras de Hopper, como se os personagens retratados em seus quadros estivessem deprimidos nos dias de hoje, buscando companhias e consolo nas redes sociais. Uma delas é essa imagem acima. Veja as outras.
Então, né? Como eu já te disse, a única coisa da qual sinto falta de outros tempos de trabalho era de poder virar minha cadeira e conversar com vc, fossem assuntos produtivos ou nem um pouco. 😉 Se ainda estivéssemos assim, e tenho certeza de que estamos melhor agora, eu já teria te dito que tem um filme de um cara que fez uma recriação estética das obras do Hopper. Ó – http://www.shirley-visions-of-reality.com/
Pingback: Escala cultural :: A Arte de Viajar | Papetes pelo mundo