Gente que viaja :: Carolina Owsiany, a worldpacker

Carol entre Israel e Jordânia, em viagem de 2014. Foto: Arquivo pessoal

Carol entre Israel e Jordânia, em viagem de 2014. Foto: Arquivo pessoal

Por que não? Essa expressão simples, e bastante desafiadora, foi repetida diversas vezes durante a conversa que tive com a mochileira profissional Carolina Owsiany. Ela viaja o mundo há mais de 10 anos, trabalhando em hostels, restaurantes e bares, e já fez e refez sua vida de diferentes formas desse meio tempo. A história parece sempre ter sido essa: vai para um lugar novo, curte, vive, cansa e resolve mudar. Na dúvida, se pergunta “por que não?”. E a resposta vem tranquilamente.

Conheci a Carol durante um evento corporativo. Ela vestia terninho preto e salto alto e me impressionou com seu inglês fluente e a postura séria e profissional. Dois meses depois, a encontrei num contexto completamente diferente: era uma noite fria de maio, ela estava enrolada em uma coberta sentada em uma poltrona, super à vontade com amigos e colegas do WE Hostel, em São Paulo, onde ela estava vivendo e trabalhando.

As versões corporativa e mochileira coexistem – na verdade, uma não existiria sem a outra. Há mais de um ano ela trabalha em hostels no esquema do Worldpackers, uma plataforma em que viajantes podem encontrar vagas de trabalho em troca de hospedagem. Vale de tudo: há opções para ficar na recepção, fazer faxina e até colocações mais cool, como chef de cozinha, DJ, fotógrafo de eventos ou gerente de redes sociais. É um jeito novo e bastante interessante de viajar, garantir a hospedagem e ter uma troca intensa de cultura e experiências.

La vie en Hostel, em Londres, 2013. Foto: Arquivo pessoal

La vie en Hostel, em Londres, 2013. Foto: Arquivo pessoal

No entanto, a maioria dos trabalhos do Worldpackers não são remunerados. O pagamento é a hospedagem em si, às vezes inclui café da manhã e outros benefícios, mas só. O esquema já ajuda a economizar, mas não dá para viver só disso por muito tempo sem nenhuma reserva. O jeito é fazer como a Carol: aproveitar o tempo livre para fazer outros bicos – daí que surge sua versão corporativa ;-). “Nos próprios hostels às vezes tem oportunidades, como trabalhar em festas promovidas no local. Mas eu faço trabalhos paralelos, como traduções e eventos”.

No caso dela, o Worldpackers só facilitou o processo do que já vinha fazendo há anos: rodar o mundo trabalhando com hospitalidade – seja em albergue, hotel, restaurante, pub ou balada. Depois de se formar em Comunicação, há mais de 10 anos, ela saiu de Minas Gerais e foi passar um tempo na Espanha, em sua primeira viagem internacional. Foi para a região da Galícia, se hospedando na casa de familiares, depois seguiu para Barcelona meio na loucura, sem planejamento nenhum. Chegou em pleno feriado, durante a festa La Mercè, quando a cidade estava lotada, e por pouco não ficou sem lugar para dormir.

Após conseguir a hospedagem, tudo foi acontecendo naturalmente. Logo arrumou um trabalho em uma balada, encontrou um apartamento e assim as coisas foram rolando. “Hoje eu já digo que as coisas dão certo porque me planejo, mas no começo foi sorte e acredito também na proteção divina espiritual. Acho que é essa confiança que me fortalece para encarar desafios e estar segura, por isso tudo sempre fluiu pra mim”, conta. Foi desse jeito leve e fluído que acabou indo pra Bélgica depois: fez amizade com belgas, ouviu falar bem e pronto, resolveu ir pra lá.

Romance 

Olhar apaixonado entre Carol e Anthony, em Barcelona, 2010. Foto: Arquivo Pessoal

Olhar apaixonado entre Carol e Anthony, em Barcelona, 2010. Foto: Arquivo Pessoal

E quando menos esperava, no auge do seu desprendimento, acabou se apaixonando. Conheceu o Anthony, chef de cozinha inglês que, assim como ela, estava dando suas voltas pelo mundo. Logo depois que começaram a ficar, ela embarcou para a Grécia para cumprir um compromisso de trabalho que já tinha sido combinado antes do romance surgir. “Na Grécia eu tive o time of my life, trabalhava em bares, era incrível. Mas a gente continuou se falando e eu não tava afim de ter um relacionamento a distância. Um dia pensei: eu gosto dele, não dá mais. Em um impulso, comprei uma passagem e voltei para Bruxelas”, lembra.

A viagem de volta foi uma loucura, tudo às pressas, quase como se fosse questão de vida ou morte. “Cheguei às 2h da manhã e liguei pra ele do lado de fora do pub onde ele estava. Falei como se estivesse na Grécia ainda, dizendo que estava com saudades. Quando resolvi me declarar, eu que queria fazer uma surpresa, tive uma: ele apareceu na janela e me viu do lado de fora bem na hora que disse ‘te amo”. Foi muito emocionante, ele gritou, ficou louco. Pra mim, foi naquele momento que a gente casou”.

Tudo isso aconteceu há 9 anos. Desde então não se desgrudaram mais e são grandes companheiros de vida, aventuras e viagens. “A gente é muito flexível. Com uma graninha no banco, já nos programamos para cair no mundo e acaba dando certo. Sempre me planejei, mas não precisamos de muito dinheiro. Quando chegamos num país novo conseguimos trabalho fácil”, explica ela.

Casal em estação de esqui em Andorra, país europeu localizado entre o nordeste da Espanha e o sudoeste da França. Foto: Arquivo pessoal

Estação de esqui em Andorra, país localizado entre o nordeste da Espanha e o sudoeste da França. Foto: Arquivo pessoal

A trajetória do casal é inspiradora. Eles moraram 2 anos na Bélgica, depois quase 4 anos na Espanha e mais 3 na Inglaterra, sem contar as viagens para Israel, Jordânia e alguns países da África. A última temporada do casal tem sido no Brasil. Carol não morava aqui desde que saiu de Minas e, junto com o Anthony, tem explorado hostels de diversos cantos do país no esquema Worldpackers. O melhor é que eles conseguem encontrar trabalho para os dois no mesmo estabelecimento. “Assim que entro em contato com o proprietário, já aviso que meu marido é chef e geralmente conseguimos duas vagas”.

É claro que para quem vê de fora, é fácil pensar que esse tipo de vida é encantador e cheio de glamour – afinal, quem é que não sonha em rodar o mundo? Mas só quem vive é que sabe que morar em hostel não é um mar de rosas. “Tem que ter cabeça aberta, ser flexível para dividir o quarto e a vida com outras pessoas. E cada um tem um momento, então eventualmente saem faíscas. Tem que ser maduro o suficiente para pedir desculpas e ser humilde”, alerta Carol.

Desapego

Os viajantes e suas mochilas chegando em Caraíva, na Bahia, em 2016. Foto Arquivo pessoal

Os viajantes e suas mochilas chegando em Caraíva, na Bahia, em 2016. Foto Arquivo pessoal

Estar aberto a mudar de emprego, de cidade e de país mostram um desprendimento em relação a vida, aos lugares e às pessoas. Para passar por tantas transformações radicais é necessário permitir que as mudanças aconteçam e também provocá-las. No caso da Carol e do Anthony, isso também se reflete no estilo de vida deles em relação aos bens materiais. Quando perguntei “onde ficam suas coisas?”, ela falou: “então, não tem coisas“. Oi?

Pois é. Em sua última grande mudança – da Inglaterra para o Brasil – o casal fez uma limpeza pesada e se livrou de tudo – livros, roupas, móveis, acessórios etc. “Com o tempo, fomos acumulando coisas, é claro, mas o que facilita é que na Europa os apartamentos já são mobiliados. É um mundo que faz você ser mais desapegado e a ter flexibilidade”.

O mochilão em que levou suas roupas do Brasil para a Europa em sua primeira viagem é o mesmo que utiliza até hoje – “só que agora está bem mais vazio”, ressalta. “Você aprende, a vida te ensina que você não precisa de muito para viver. Todo o resto ficou pelo caminho. O dia que tiver que recomeçar de novo a gente recomeça, o que vale é o que a gente leva no coração”, conclui.

Carol na janela ao lado de uma estátua "namoradeira" em algum canto do Brasil, em 2007. Foto: Arquivo pessoal

Carol na janela ao lado de uma estátua “namoradeira” em Ouro Preto (MG), em 2007. Foto: Arquivo pessoal

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