Chile :: Domingo em Santiago

Charme de interior no centro de artesanato Pueblito Los Dominicos. Fotos do post: Débora Costa e Silva

Santiago sempre foi uma cidade muito querida para mim. Estive lá a trabalho algumas vezes e em todas vivi momentos especiais – inclusive na minha primeira press trip internacional, para a Terra do Fogo na Patagônia, a capital chilena finalizou um roteiro de 7 dias cheios de emoção. Mas sempre saí de lá com gostinho de quero mais, porque a cidade sempre foi um ponto de bate volta para outros destinos do país. Toda vez passava um dia ou dois no máximo, por isso achei que valia a pena ir para ficar com calma e sentir melhor o clima do lugar.

Aproveitando que teria o casamento de um amigo em Santiago, voltei para lá no início de março, desta vez com a minha mãe. Foi bacana ter tido uma percepção mais completa da cidade e conectar os vários pontos já visitados em um mapa mental. Ir para lá e para cá de metrô também fez toda a diferença – aliás, que beleza de metrô! Cobre uma boa parte da capital, achei ótimo!

Mas uma coisa que todos que moram ou já visitaram Santiago me falavam é que aos domingos a cidade fica parada: os restaurantes fecham cedo (ou nem abrem), as ruas ficam desertas e quase não há opções do que fazer. O ideal é aproveitar para dar uma escapada para vinícolas ou cidades próximas, só que dessa vez isso não era uma opção para mim. Então tive que dar um jeito de preencher o domingo com atividades em Santiago mesmo e, para minha surpresa, encontrei várias coisas legais para fazer, descobri lugares novos e ainda reencontrei amigas queridas ❤

Então conto aqui um pouco mais do que fiz por lá nesse dia que prometia ser “morto” e acabou sendo um dos mais legais da viagem 🙂

Pueblito Los Dominicos

No último dia de viagem, minha mãe quis conhecer um lugar fora da região central e encontrou nas pesquisas o Pueblito Los Dominicos. É um centro de artesanato que fica pertinho da estação Los Dominicos, a última da linha linha vermelha do metrô, ao lado do Convento San Vicente Ferrer, que contempla uma igreja de estilo colonial, jardins e o próprio pueblo – tudo construído no início do século 19.

Não sabia muito o que esperar, achei que seria uma feirinha pequena, mas na verdade é um lugar amplo com muitas lojinhas e galerias bem rústicas, algumas com os próprios artistas confeccionando joias, quadros e esculturas no local.

Diferente de pontos mais turísticos, como o Pátio Bellavista e lojas no centro de Santiago, lá são vendidos produtos artesanais mais variados e mais elaborados, como utensílios domésticos de madeira e cobre, muitas joalherias com pedras de diversas regiões do Chile, roupas e acessórios de lã, couro e outros materiais, peças decorativas e também souvernirs típicos.

Para quem quer passar o dia por lá e explorar as lojas com mais tempo, há algumas opções de restaurantes também. O clima é uma delícia, vira e mexe você cruza com um músico tocando harpa ou violão e a sensação é de estar em algum lugar no interior do país, com chão de terra, pássaros em viveiros, gatos e cães circulando e muita gente simpática a fim de mostrar seu trabalho e jogar conversa fora.

Borde Rio

De lá, fomos encontrar uma amiga, a Lariza, que nos convidou para almoçar no complexo gastronômico Borde Rio, em Vitacura. Pegamos um ônibus perto do Pueblito que demorou um tantinho para aparecer, mas chegou rápido ao local. O espaço fica às margens do Rio Mapocho e tem restaurantes de tudo quanto é especialidade (indiano, peruano, japonês, italiano etc).

Nós almoçamos no Mesón del Río, um espanhol incrível que servia uma sangria deliciosa, perfeita para os dias quentes do verão, além de paella e frutos do mar. Destaque também para o mousse de chocolate com calda de maracujá divino. Para refrescar e curtir mais um pouco a tarde, subimos para o rooftop do Monseñor Terraza, que tem uma vista bem bonita do skyline de Santiago e do rio Mapocho.

Com detalhes graciosos na decoração, escadaria com mosaicos e diversos cantinhos para descansar e curtir a paisagem, o Borde Rio me ganhou. O complexo parece um Pátio Bellavista maior (sim, de novo essa referência rs), mais sofisticado e mais tranquilo, já que fica em um bairro mais nobre. Está próximo também do belo Parque Bicentenário, que pode ser outra opção de passeio no mesmo dia. Fiquei com vontade de voltar lá outro dia para ver o pôr do sol, beber drinks e curtir a noite 😛

Pizza Tiramisú

Todo paulistano apaixonado por pizza sabe dos riscos de comer a iguaria fora de São Paulo. Mas na busca por algum lugar para jantar domingo à noite em Santiago, aproveitei para encontrar outra amiga que está morando lá, a Michelli, que nos levou a um restaurante que não decepcionou ao servir a redonda: a famosa pizzaria Tiramisú no bairro Las Condes – que para nossa alegria estava aberta, sim, e bastante movimentada.

Não arriscamos muito nos sabores e pedimos uma margherita com mussarela de búfala que estava sensacional: a massa era leve, levava menos recheio do que as de SP, mas destaque mesmo pro queijo e pro molho de tomate extremamente saboroso. Para acompanhar, uma taça de vinho Cabernet Sauvignon clássica e, já que estava no último dia da viagem, achei que merecia um crème brûlée de sobremesa – vale dividir porque é enorme, mas maravilhoso ❤

:: SERVIÇO ::

Pueblito Los Dominicos
Endereço: Fica na praça ao lado da Igreja São Vicente Ferrer, bem próximo da última estação da linha 1 do metrô (vermelha), a Los Dominicos.
Horários: Todos os dias, das 10h às 19h

Borde Rio
Endereço: Av. San José María Escrivá de Balaguer, 6400 – Vitacura
Horários: Todos os dias, das 10h a meia-noite

Tiramisú
Endereço: Avenida Isidora Goyenechea, 3141
Site: www.tiramisu.cl

Gente que viaja :: Antonio da Patagônia

Seu Antonio, hoje guia e motorista na Patagônia, já viajou o mundo. Foto: Débora Costa e Silva

Seu Antonio, hoje guia e motorista na Patagônia, já viajou o mundo. Foto: Débora Costa e Silva

Quando entrei na van para sair da região de Torres del Paine, no Chile, e seguir rumo ao aeroporto de Punta Arenas em uma viagem de quatro horas, estava pronta para dar um cochilo, ouvir música e relaxar. Faria isso tranquilamente se não tivesse notado que o motorista chileno falava português super bem, quase sem sotaque. Fiquei instigada e comecei a puxar papo.

No começo foi difícil, porque a primeira impressão é de que ele era meio rabugento, sério, daqueles que não tá afim de conversar. Mas ele foi respondendo as minhas perguntas e quando me dei conta, ele já estava resgatando histórias e memórias por conta própria, empolgado de lembrar de seus tempos no Brasil.

Antonio dirigindo de Puerto Natales até Punta Arenas, onde mora há 4 anos. Foto: Débora Costa e Silva

Antonio dirigindo até Punta Arenas, onde mora há 4 anos. Foto: Débora Costa e Silva

Ele morou por quatro anos no Rio de Janeiro entre os anos 1981 e 1985 para fazer faculdade de Hotelaria – inspirado e incentivado por sua mãe, que trabalhou a vida toda em companhias aéreas, entre elas a extinta Varig. Segundo Antonio, ela o ajudou a fazer a transição para o Brasil para estudar, já que não havia esse curso ainda no Chile. Do tempo em que viveu no Rio, suas lembranças mais queridas e saudosas são dos carnavais que desfilou pela Mangueira. Ele participou de todos os ensaios, aprendeu até a tocar surdo e integrou a bateria.

Mas não parou por aí. Por conta da profissão, ele carimbou muito seu passaporte e sua carteira de trabalho. Antonio já viveu na Venezuela, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana e Trinidade, além das diversas vezes que foi aos Estados Unidos e para o Canadá. Nesses lugares, já foi guia turístico, guia de selva, instrutor de mergulho e parapente, trabalhou em hotéis e atuou como motorista-guia turístico inúmeras vezes – como agora na Patagônia, onde vive há 4 anos com a esposa.

“Sou ávido por informação. Estou sempre lendo, estudando e fazendo cursos – o último foi o da Conaf (Corporação Nacional Florestal), no Parque Torres del Paine”. Além da busca por conhecimento, fiquei curiosa para saber mais sobre o que o motiva a viajar e mudar tanto de um lugar para o outro. “Um ano inteiro fazendo um mesmo roteiro todos os dias cansa. Quando aparecia uma outra oportunidade, eu não pensava duas vezes. Eu me identifico com os cachorros. Aquela coisa de sair por aí andando sem rumo, meio vagabundo, sabe? Então, eu sou um deles”.

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Lago Sarmiento com vista para as Torres del Paine, na Patagônia Chilena. Foto: Débora Costa e Silva

Enquanto a paisagem na janela mudava e o vento ganhava mais força conforme avançávamos para o sul, seu Antonio foi mostrando cada vez mais seu lado sensível, sereno e filosófico. Questionei então o que queria saber desde o início: por que viver na Patagônia? Segundo ele, a escolha foi da mulher, que é apaixonada por glaciares e também é guia de turismo. Enquanto ele fala inglês, francês e português, ela complementa o currículo de idiomas do casal com alemão e japonês.

Eles moram há quatro anos em Punta Arenas, longe do filho mais velho, que estuda cinema em Santiago, mas ainda próximos ao caçula, que estuda teatro ali na região. “Fico aqui porque é cômodo e confortável. Agora com família, casado e filhos grandes, a vida está mais tranquila”, explica.

Mas não acha muito vazio? “Não, acho perfeito. Depois de morar em Santiago, qualquer lugar é gostoso. O pessoal que mora lá está sempre estressado, correndo, no metrô as pessoas ficam espremidas que nem sardinha em lata. Aqui estou muito bem. É uma das mil razões que viemos para cá”, defende.

A vida social é escassa na Patagônia. Se o tempo está bom, ele e a esposa fazem churrasco e recebem os poucos amigos que fizeram por aquelas bandas. Afinal, para um forasteiro, é difícil criar vínculos com quem nasceu e viveu na região a vida toda. Nas horas vagas, gosta de se dedicar ao jardim de sua casa, ler e pescar – e já está de bom tamanho.

Para encerrar, Antonio me falou uma das frases mais bonitas e melancólicas que já ouvi. “A solidão é impagável. Porque não há silêncio quando se mora em uma cidade tão grande, os pensamentos são praticamente compartilhados com os outros, estamos sempre cercados de gente. Quando se é jovem, é importante sair e ter vida social. Mas depois de um tempo, muito barulho já não dá mais. Muita poluição visual também não é bom. Por isso eu prefiro morar aqui”, concluiu.

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“A solidão é impagável”, diz o seu Antonio sobre escolher viver na Patagônia. Foto: Débora Costa e Silva

Pucón :: Neruda e a chuva do Chile

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Há tempos ensaio a leitura do livro “Confesso que vivi”, de memórias do poeta Pablo Neruda. Comecei e parei algumas vezes, mas essa semana resolvi encará-lo de vez, aproveitando que vim para o Chile novamente. E qual não foi minha surpresa ao descobrir logo nas primeiras páginas que estava indo justamente para Temuco, a cidade onde o escritor passou sua infância e adolescência?

Na verdade vim para Pucón, destino turístico cheio de atrações naturais e de práticas de esportes de aventura. Mas para chegar aqui desembarquei no aeroporto de Temuco, a uma hora de carro do hotel Antumalal, onde estou hospedada. A região de lagos e vulcões, além de belíssima, também é bastante chuvosa. Essa semana não será diferente e já comecei o primeiro dia curtindo observar a paisagem molhada e a chuva cair.

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Mas bonito mesmo é o que o Neruda fala sobre como é a chuva nessa região:

“A chuva caía em fios como compridas agulhas de vidro que se partiam nos tetos, ou chegavam em ondas transparentes contra as janelas, e cada casa era uma nave que dificilmente chegava ao porto naquele oceano de inverno.”



“Esta chuva fria do sul da América não tem as rajadas impulsivas da chuva quente que cai como um látego e passa deixando o céu azul. Pelo contrário, a chuva austral tem paciência e continua sem fim caindo do céu cinzento.”

A descrição é fiel: por essas bandas a chuva demora a passar. Já tinha perdido as esperanças quando reparei uns tímidos raios de sol entrando pela janela. E por mais que eu estivesse curtindo esse clima de chuva-frio-preguiça e apreciando a paisagem molhada, não tem como negar que o sol trouxe mais vida pra cá.


Vamos ver o que o tempo (e o livro do Neruda) nos reserva.

Patagônia :: Terra de extremos

Cruzeiro Australis percorre as geleiras e ilhas da Terra do Fogo, no extremo sul da América Latina - Foto: Débora Costa e Silva

Cruzeiro Australis percorre as geleiras e ilhas da Terra do Fogo, no extremo sul da América Latina – Foto: Débora Costa e Silva

É curioso o quanto o trajeto de uma viagem influencia as impressões sobre o lugar para onde vamos. Nas duas vezes em que fui para a Patagônia chilena (a primeira em 2009, e a última agora, em agosto de 2015, ambas a trabalho) tive percalços e muita tensão durante a ida. Acho que isso fez com que esse destino que já é especial, se tornasse tão marcante para mim.

Chegar de uma viagem cansativa na praia é uma coisa: você é acolhido pelo mormaço, pelo céu azul, pelo sol, pela maresia e por uma calmaria geral. Já quando se vai para um destino de inverno as coisas começam a complicar: você usa mais roupas, é difícil se locomover, o céu pode estar cinzento, às vezes tem até chuva e o vento dificulta seus passos. A Patagônia é assim, dura na queda, não é de sorriso fácil. Mas ela conquista aos poucos e definitivamente.

Pensa n num lugar frio. E lindo. É aqui! Na foto, um dos glaciares vistos no cruzeiro pela Terra do Fogo. Foto: Débora Costa e Silva

Pensa n num lugar frio. E lindo. É aqui! Na foto, um dos glaciares vistos no cruzeiro pela Terra do Fogo. Foto: Débora Costa e Silva

Meu primeiro encontro com este lugar foi há seis anos, quando fiz o cruzeiro Australis, que navega pelas ilhotas e geleiras da Terra do Fogo, de Punta Arenas (Chile) para Ushuaia (Argentina). Foi a primeira viagem a trabalho, sozinha e também a primeira (e única) vez que perdi um voo e quase pus tudo a perder. Culpa de um taxista mercenário que mudou de trajeto até o aeroporto qua-tro ve-zes e me fez chegar 5 minutos depois do check-in ter encerrado.

Chorei muito no balcão da TAM até ser expulsa (“Você pode sair daqui? Está atrapalhando”). Com a ajuda da minha mãe, ninja das burocracias de viagem, consegui embarcar em um voo da LAN meia hora mais tarde. Depois de muito correr, tremer e chorar, consegui chegar a tempo de pegar outro voo para Punta Arenas e finalmente embarcar no cruzeiro.

Vista de montanhas de picos nevados a partir da Baía Wulaia, no extremo sul do Chile. Foto: Débora Costa e Silva

Vista de montanhas de picos nevados a partir da Baía Wulaia, no extremo sul do Chile. Foto: Débora Costa e Silva

O vento gelado e cortante é onipresente e deu o tom da viagem. Foi mágico estar cercada de glaciares, ver de perto condores, elefantes marinhos e pinguins, enfim, estar imersa à natureza  patagônica. A sensação de ter chegado ao fim do mundo é, ao mesmo tempo, encantadora e assustadora. Não há dúvidas de quem manda ali é a natureza. Tudo é intenso. Costumam dizer por lá que é possível ter em um só dia as quatro estações do ano: abre o céu, vem o sol, venta, chove, refresca, gela, ameniza, passam nuvens, volta o sol e o ciclo recomeça. Terra de extremos.

Corta a cena e pula para agosto de 2015. Novamente a trabalho, tinha uma passagem em que constava “Punta Arenas” como o destino final. O avião saía de Santiago, parava em Puerto Montt e seguia até lá. Durante o voo fiquei relembrando todas essas sensações da primeira vez, em como era especial estar de volta, o quanto estava com saudades de sentir aquele frio com gostinho de Patagônia, em como eu precisava dessa viagem para descansar da vida atribulada e aproveitar para relaxar a mente, ter insights legais, dar aquela pirada gostosa…

Não importa se é a primeira ou a quinquagésima vez: quando vemos a neve cair, o encanto permanece o mesmo. Foto: Débora Costa e Silva

Não importa se é a primeira ou a quinquagésima vez: quando vemos a neve cair, o encanto permanece o mesmo. Foto: Débora Costa e Silva

Eis que chegamos em Puerto Montt e o cenário mudou. Ao invés do gosto de pisco souer para comemorar, o sabor amargo de um café que me servi na sala de embarque para aliviar a tensão de ter que esperar consertarem um vazamento no avião. Fiquei com o grupo de jornalistas pensando nas várias possibilidades do que poderia acontecer: teríamos que esperar outro voo? Mas tem outro voo? Vamos dormir aqui?

A resposta veio logo: o vazamento foi resolvido. Ufa, meia horinha de puro drama e nada mais, tudo certo. Voltamos para os nossos assentos, ainda bastante temerosos em relação a essa rápida solução, mas ok. Peguei o caderninho, coloquei o cinto e voltamos ao céu.

O céu da Patagônia é quase sempre sinistro assim, cheio de nuvens e cores que dão um aspecto sombrio e mágico ao lugar. Foto: Débora Costa e Silva

O céu da Patagônia é quase sempre sinistro assim, cheio de nuvens e cores que dão um aspecto sombrio e mágico ao lugar. Foto: Débora Costa e Silva

Mas tão logo começou a voar, o avião passou a chacoalhar: de um lado para o outro, para frente e para trás. Eu normalmente sou tranquila em relação à turbulências, mas essas me assustaram. Era culpa do vento, aquele que estava descrevendo alguns parágrafos acima. Tão gostoso e fresco na memória, mas de repente tão brusco e apavorante. Se lá do alto dava para sentir sua força, imagine em terra firme? Para ajudar, olhei para fora da janelinha e o céu estava num tom de cinza sinistro.

Tentei voltar a escrever, mas essa altura já estava com o estômago revirado e beeeem distante daquele romantismo todo. Como alguém pode gostar dessa ventania, capaz de balançar tão forte um avião? Como eu pude pensar que estava com saudades desse frio, desse lugar bizarro e sombrio?

Vista das Torres del Paine, na Patagônia chilena. Foto: Débora Costa e Silva

Vista das Torres del Paine, na Patagônia chilena. Foto: Débora Costa e Silva

Finalmente pousamos. O frio veio me dar boas vindas, gelando meu nariz e qualquer pedacinho descoberto do meu corpo. Por mais que eu me esforçasse em ver beleza na chegada, o enjoo do voo persistiu e me acompanhou durante toda a viagem de carro até o hotel. Foram longas quatro horas, em que eu não sabia se comia, bebia água, mascava chiclete ou deixava meu estômago embrulhado quieto na dele.

Chegamos no hotel à noite e o alívio foi substituindo o mal estar. Não era para menos, o Tierra Patagônia é sensacional: todo feito de madeira, te dá uma sensação de aconchego logo de cara. Fui dormir apavorada com os barulhos do vento, da madeira rangendo – pra ajudar a luz do banheiro piscava, quase filme de terror – e zonza ainda da viagem, sem saber direito onde estava, como e por que. Descobri só no dia seguinte, quando abri a cortina e dei de cara com as Torres del Paine na janela.

Na praça central de Punta Arenas, tem essa estátua de um índio. Dizem que para voltar ao destino, e preciso beijar seu pé. E não é que voltei? :P

Na praça de Punta Arenas, tem essa estátua de um índio. Dizem que para voltar ao destino, é preciso beijar seu pé. E não é que voltei? 😛

Pronto, mais um sonho realizado. Mais uma vez aquele céu, o vento, os galhos secos, os arbustos amarelos, as montanhas de picos nevados, os condores – agora acompanhados também de ovelhas e guanacos – me curando da ressaca da viagem. De novo eu ali, como uma menininha com medo do escuro, com frio na barriga, prestes a explorar um novo lugar. Mais uma vez uma fase nova da vida marcada por este destino que consideram o fim do mundo, mas que pra mim se tornou um lugar de renovação e recomeços.

Vai lá!
Matéria que fiz para o UOL Viagem sobre o cruzeiro Australis.

Gente que viaja :: Pancho do Atacama

Francisco Gonzales – ou Pancho – tem apenas 19 anos e já é guia turístico no Atacama desde os 16. É especialista em plantas e ervas – mas é modesto. “É porque quem vive no deserto valoriza mais o verde”.

Começou a guiar turistas graças a um programa das escolas da região, que oferecem curso e estágio em turismo durante o ensino médio. Pensou em estudar agricultura, mas achou que com turismo ele teria mais oportunidade de conhecer uma variedade maior de plantas e ecossistemas.

Durante os passeios que fiz guiada por ele, Pancho explicou bastante coisa sobre as peculiaridades do Atacama: como se formam os cristais de sal e de gesso, as rochas e dunas, falou sobre os frutos e plantas também e até sobre pinturas rupestres.

Além de conhecer bem a região, o rapaz é super atencioso com todo o grupo. Perdeu a explicação? Ele volta, repete e sempre termina o tour com a trinca: perguntas, dúvidas, reclamações?

Seu plano para quando acabar os estudos e a temporada do hotel que trabalha, o Tierra Atacama, é cair na estrada. Nada mais natural para quem lida diariamente com viajantes e é apaixonado pela natureza. Já está marcado: em março do ano que vem pretende percorrer o Chile de norte a sul.

Nesse tempo como guia, ele disse que aprendeu com os hóspedes do hotel cultura e sofisticação e, com os mochileiros, desprendimento. “Para mim, basta uma mochila e uma harmônica (gaita) para cair na estrada”.

Assista o Pancho tocando sua harmônica.