Gente que viaja :: Antonio da Patagônia

Seu Antonio, hoje guia e motorista na Patagônia, já viajou o mundo. Foto: Débora Costa e Silva

Seu Antonio, hoje guia e motorista na Patagônia, já viajou o mundo. Foto: Débora Costa e Silva

Quando entrei na van para sair da região de Torres del Paine, no Chile, e seguir rumo ao aeroporto de Punta Arenas em uma viagem de quatro horas, estava pronta para dar um cochilo, ouvir música e relaxar. Faria isso tranquilamente se não tivesse notado que o motorista chileno falava português super bem, quase sem sotaque. Fiquei instigada e comecei a puxar papo.

No começo foi difícil, porque a primeira impressão é de que ele era meio rabugento, sério, daqueles que não tá afim de conversar. Mas ele foi respondendo as minhas perguntas e quando me dei conta, ele já estava resgatando histórias e memórias por conta própria, empolgado de lembrar de seus tempos no Brasil.

Antonio dirigindo de Puerto Natales até Punta Arenas, onde mora há 4 anos. Foto: Débora Costa e Silva

Antonio dirigindo até Punta Arenas, onde mora há 4 anos. Foto: Débora Costa e Silva

Ele morou por quatro anos no Rio de Janeiro entre os anos 1981 e 1985 para fazer faculdade de Hotelaria – inspirado e incentivado por sua mãe, que trabalhou a vida toda em companhias aéreas, entre elas a extinta Varig. Segundo Antonio, ela o ajudou a fazer a transição para o Brasil para estudar, já que não havia esse curso ainda no Chile. Do tempo em que viveu no Rio, suas lembranças mais queridas e saudosas são dos carnavais que desfilou pela Mangueira. Ele participou de todos os ensaios, aprendeu até a tocar surdo e integrou a bateria.

Mas não parou por aí. Por conta da profissão, ele carimbou muito seu passaporte e sua carteira de trabalho. Antonio já viveu na Venezuela, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana e Trinidade, além das diversas vezes que foi aos Estados Unidos e para o Canadá. Nesses lugares, já foi guia turístico, guia de selva, instrutor de mergulho e parapente, trabalhou em hotéis e atuou como motorista-guia turístico inúmeras vezes – como agora na Patagônia, onde vive há 4 anos com a esposa.

“Sou ávido por informação. Estou sempre lendo, estudando e fazendo cursos – o último foi o da Conaf (Corporação Nacional Florestal), no Parque Torres del Paine”. Além da busca por conhecimento, fiquei curiosa para saber mais sobre o que o motiva a viajar e mudar tanto de um lugar para o outro. “Um ano inteiro fazendo um mesmo roteiro todos os dias cansa. Quando aparecia uma outra oportunidade, eu não pensava duas vezes. Eu me identifico com os cachorros. Aquela coisa de sair por aí andando sem rumo, meio vagabundo, sabe? Então, eu sou um deles”.

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Lago Sarmiento com vista para as Torres del Paine, na Patagônia Chilena. Foto: Débora Costa e Silva

Enquanto a paisagem na janela mudava e o vento ganhava mais força conforme avançávamos para o sul, seu Antonio foi mostrando cada vez mais seu lado sensível, sereno e filosófico. Questionei então o que queria saber desde o início: por que viver na Patagônia? Segundo ele, a escolha foi da mulher, que é apaixonada por glaciares e também é guia de turismo. Enquanto ele fala inglês, francês e português, ela complementa o currículo de idiomas do casal com alemão e japonês.

Eles moram há quatro anos em Punta Arenas, longe do filho mais velho, que estuda cinema em Santiago, mas ainda próximos ao caçula, que estuda teatro ali na região. “Fico aqui porque é cômodo e confortável. Agora com família, casado e filhos grandes, a vida está mais tranquila”, explica.

Mas não acha muito vazio? “Não, acho perfeito. Depois de morar em Santiago, qualquer lugar é gostoso. O pessoal que mora lá está sempre estressado, correndo, no metrô as pessoas ficam espremidas que nem sardinha em lata. Aqui estou muito bem. É uma das mil razões que viemos para cá”, defende.

A vida social é escassa na Patagônia. Se o tempo está bom, ele e a esposa fazem churrasco e recebem os poucos amigos que fizeram por aquelas bandas. Afinal, para um forasteiro, é difícil criar vínculos com quem nasceu e viveu na região a vida toda. Nas horas vagas, gosta de se dedicar ao jardim de sua casa, ler e pescar – e já está de bom tamanho.

Para encerrar, Antonio me falou uma das frases mais bonitas e melancólicas que já ouvi. “A solidão é impagável. Porque não há silêncio quando se mora em uma cidade tão grande, os pensamentos são praticamente compartilhados com os outros, estamos sempre cercados de gente. Quando se é jovem, é importante sair e ter vida social. Mas depois de um tempo, muito barulho já não dá mais. Muita poluição visual também não é bom. Por isso eu prefiro morar aqui”, concluiu.

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“A solidão é impagável”, diz o seu Antonio sobre escolher viver na Patagônia. Foto: Débora Costa e Silva

Gente que viaja :: Pancho do Atacama

Francisco Gonzales – ou Pancho – tem apenas 19 anos e já é guia turístico no Atacama desde os 16. É especialista em plantas e ervas – mas é modesto. “É porque quem vive no deserto valoriza mais o verde”.

Começou a guiar turistas graças a um programa das escolas da região, que oferecem curso e estágio em turismo durante o ensino médio. Pensou em estudar agricultura, mas achou que com turismo ele teria mais oportunidade de conhecer uma variedade maior de plantas e ecossistemas.

Durante os passeios que fiz guiada por ele, Pancho explicou bastante coisa sobre as peculiaridades do Atacama: como se formam os cristais de sal e de gesso, as rochas e dunas, falou sobre os frutos e plantas também e até sobre pinturas rupestres.

Além de conhecer bem a região, o rapaz é super atencioso com todo o grupo. Perdeu a explicação? Ele volta, repete e sempre termina o tour com a trinca: perguntas, dúvidas, reclamações?

Seu plano para quando acabar os estudos e a temporada do hotel que trabalha, o Tierra Atacama, é cair na estrada. Nada mais natural para quem lida diariamente com viajantes e é apaixonado pela natureza. Já está marcado: em março do ano que vem pretende percorrer o Chile de norte a sul.

Nesse tempo como guia, ele disse que aprendeu com os hóspedes do hotel cultura e sofisticação e, com os mochileiros, desprendimento. “Para mim, basta uma mochila e uma harmônica (gaita) para cair na estrada”.

Assista o Pancho tocando sua harmônica.