Gente que viaja :: Mulheres que viajam sozinhas

Hoje é 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e a data não poderia passar em branco por aqui. Além do fato óbvio de ser uma mulher que produz o conteúdo do blog, também acho providencial aproveitar o momento para falar um pouco sobre como nós viajamos e vivenciamos as experiências na estrada.

Sei que muito já foi dito e discutido por aí sobre mulheres que viajam sozinhas, mas quero retomar o assunto porque é uma questão que me toca muito. As viagens mais transformadoras para mim foram as que eu estava só e vivi momentos em que a sensação predominante era de liberdade. Toda viagem já mexe um pouco com a gente e nos ensina algumas coisas, mas sozinha o foco está apenas em nós mesmas, nas nossas vontades, esquisitices, neuras, paixões…  É claro que não são só flores, o caminho também é cheio de pedras e tropeços, mas a cada vivência vamos ganhando mais confiança e bagagem para as próximas, né?

Para inspirar e encorajar, convidei algumas amigas que já deram seus rolês sozinhas pelo mundo para compartilharem experiências, frustrações, descobertas e alegrias dessas aventuras. Tem quem já rodou o mundo, tem as que começaram a se aventurar sozinhas agora, mas todas se descobriram ótimas companhias para si mesmas e voltaram cheias de vontade de repetir a dose ❤

Denise de Almeida
Jornalista, trabalha no UOL. Depois da África descobriu que ama seus cachos, a adrenalina do desconhecido e a si mesma

Nunca me imaginei em uma viagem pela África, nunca fiz o tipo aventureira. Mas foi lá que eu me descobri de verdade, que eu reconheci minhas fraquezas. E voltei uma mulher muito mais forte. Era só minha segunda viagem a trabalho como jornalista de turismo. Não conhecia ninguém do grupo e eu era a insegurança em pessoa. Antes de ir, passei uma madrugada olhando para a mala vazia, levemente em pânico. O medo me paralisou na hora de montar a bagagem.

É que sair da zona de conforto é um esforço e tanto. Eu sabia que estava indo pra um lugar incrível, mas algo me dizia que era mais fácil não ir, não encarar o medo, ficar sentadinha confortavelmente no sofá, com acesso à TV e internet. Pressionada pelo tempo — faltava só 1h pro táxi vir me pegar pra levar ao aeroporto, arrumei tudo correndo e entrei no carro, coração disparado. Eu sabia que tinha cruzado a fronteira da zona de conforto e que não tinha volta.

Cada minuto na savana foi um aprendizado diferente. Um dos momentos mais marcantes foi tentar executar uma tarefa aparentemente simples: ficar em silêncio absoluto por poucos minutos. Chegamos ao salar de Makgadikgadi, que tem o tamanho de Portugal, no pôr do sol. O guia havia explicado que o lugar era rota para os bichos apenas durante o dia. Como não cresciam plantas por lá, nenhum bicho morava naquela área, nem humanos. Ao anoitecer, estávamos lá — um grupo de sete pessoas — a sós, com a proposta de contemplar a grandiosidade do silêncio.

Com meu drinque em mãos, sentei no chão e a primeira coisa que fiz foi tentar tirar uma foto com o celular. Liga e desliga o flash, muda o ângulo do copo… até lembrar que a missão era ficar quieta. Guardar o celular até que foi fácil. Difícil mesmo era acalmar o turbilhão de pensamentos: quando será que choveu aqui pela última vez? E se alguém passar mal? Nossa, não paguei aquele boleto. Me peguei dispersa de novo e, depois de muita concentração, consegui ficar apenas quieta. Na terceira tentativa, vitória!

O silêncio era tão profundo que eu juro que conseguia ouvir até o barulho da minha circulação sanguínea. Percebi que o silêncio absoluto é ensurdecedor – e que eu era ansiosa demais. Nem disfarcei as lágrimas que surgiram com as descobertas. Entendi que ser forte é admitir suas fraquezas. É saber que a gente não controla cada passo da vida – e que está tudo bem.

Foi o que me deu forças pra mudar toda a minha vida. Pra encarar que estava num relacionamento que já não me fazia feliz. Que havia um princípio de depressão dando as caras. Foi o start de uma série de mudanças que me fizeram amadurecer demais. Hoje sou mais forte e mais feliz e sei que tudo começou nessa viagem.

Luana Marcello Serrano
Educadora física, massoterapeuta, taróloga, astróloga, radiestesista e terapeuta holística. Apaixonada por desbravar o Brasil e começando a conhecer outros lugares do mundo

Fiz minha primeira viagem sozinha este ano, para San Andrés, na Colômbia. Mas já viajei muito pelo Brasil, fui para Florianópolis, Bahia, Chapada dos Veadeiros, Maceió, Fortaleza e até para o Chile e Uruguai. Mas nessa em que fui sozinha, tiveram várias pequenas situações que passei que me fizeram sentir mais corajosa. Coisas simples, como conversar com as pessoas, pegar um ônibus caindo aos pedaços para sair de uma praia não estava me agradando e mudar o rumo simplesmente porque eu quero.

Quando você está acompanhada, por qualquer pessoa que seja, mesmo com intimidade e liberdade, uma hora vem a pergunta: o que você acha de ir pra tal lugar ou fazer tal coisa? Rola um receio da minha parte de às vezes a pessoa não querer, de incomodar o outro. E sozinha isso não acontece.

Mas eu acho que a situação mais corajosa foi o momento anterior à viagem: comprar a passagem e resolver onde iria ficar, já que tenho tanta dificuldade de planejar. Tive um medo tão grande de comprar aquela passagem, cara daquele jeito, e pensar “pronto, não dá mais para voltar atrás”. Acabei fazendo uma compra impulsiva pra eu mesma não me boicotar.

Por ser mulher, passei por situações machistas, perigosas e ruins, mas ao mesmo tempo acabei encontrando coisas positivas por estar só. Consegui carona, o que talvez não rolasse se eu não tivesse sozinha, pois talvez não estivesse disposta a interagir. Fiz um passeio com uma pessoa nativa da ilha porque ela gostou de mim também. Então acho que também há muitas vantagens de ser mulher e estar sozinha, porque dá para nos encaixar em alguns passeios que, se estivéssemos com mais gente, talvez não conseguíssemos, por exemplo.

Mas o maior benefício é essa coisa de poder mudar o roteiro, fazer suas próprias decisões e se ouvir. Você se ouve verdadeiramente se estiver conectado com o que você quer, com o que você é e com o que está acontecendo em volta. Porque quando você está com outras pessoas, a sua percepção do entorno fica limitada. Então eu me senti muito mais conectada com o ambiente que eu estava em todos os sentidos: com o lugar, com as pessoas, desenvolvi minha sensibilidade.

Foi um jeito de me conhecer e saber o que eu quero fazer, o que me faz feliz. E a vida é feita disso, a gente se deixa levar por muitas coisas que não nos fazem felizes naquele instante. Essa busca de ter um bom emprego para ganhar bem e ser feliz está sempre no futuro. Em uma viagem dessas sozinha você está conectada com o presente, com o instante, isso é um grande ganho para a vida.

Maysa Torres
Jornalista e assessora de comunicação de empresas e destinos turísticos. É gaúcha, já rodou o mundo, mas adotou o Rio de Janeiro como casa

A dificuldade que tive na primeira vez que viajei sozinha para Bali e Camboja foi superar medos comuns apenas às mulheres, que precisam lidar com algumas abordagens mais invasivas, olhares que às vezes inibem e até com algumas críticas. Já escutei que estava me arriscando muito viajando sozinha justamente por ser mulher, por exemplo. Em alguns destinos, como nos Emirados Árabes é mais difícil pelo fato da mulher não ter muita autonomia, então assusta encontrar uma mulher que chega sozinha num hotel, num restaurante ou numa mesquita.

Uma experiência marcante foi fazer uma viagem de tuck tuck, de cerca de 1 hora, para ver o sol nascer num templo do Camboja. Quando me vi em uma estrada deserta com o motorista, a primeira coisa que veio à mente foi que estava mais exposta por ser mulher. Mas me enchi de coragem e fui, porque aquele era o único caminho para chegar onde queria, e valeu muito a pena. Foi inesquecível.

Entre as coisas boas, além da sensação indescritível de liberdade e superação de barreiras, estão as pessoas legais que você encontra pelo caminho. Entre as surpresas, está a quantidade de mulheres viajando sozinha. Vi muitas especialmente na Ásia.

Superação pessoal e cultural é enfrentar todas as situações e eventos sozinha. Achei uma vitória, e amei tanto que repeti, passar o Réveillon sozinha, sem medo, sem expectativas, mas aberta para conhecer pessoas e culturas diferentes. Foi maravilhoso.

A sensação de empoderamento anda comigo sempre que viajo sozinha, quando me imponho e não permito que o fato de ser mulher me deixe mais vulnerável. Em Myanmar tive que vencer barreiras como dirigir uma moto pequena para me locomover, subir em um templo de madrugada para ver o amanhecer mais lindo do mundo, viajar de ônibus à noite, lidar com um povo que quase não fala inglês e resolver problemas, mudando o roteiro de acordo com o que eu achava ser o melhor pra mim.

Me permitir estar sozinha e me posicionar de forma natural, sem me importar com os julgamentos, me dá uma sensação de empoderamento.

Gabriela Gasparin
Jornalista e escritora, idealizadora do projeto Vidaria e do livro de mesmo nome, que traz uma coletânea de histórias inspiradoras sobre o sentido da vida

Falar sobre viajar sozinha para mim não é exceção, e sim regra. Eu nunca fiz uma viagem internacional acompanhada. A primeira foi em 2010, eu tinha 24 anos. Na época eu namorava, só que não conseguimos tirar férias juntos e lá fui eu ficar um mês só em Londres. Confesso que não tive medo nenhum: fui por meio daqueles pacotes de intercâmbio, com cartinha de apresentação e “host family”, sabe? Muitas amigas já tinham feito o mesmo então fui cheia de ansiedade! No meio da viagem, porém, resolvi passar um final de semana em Paris – aí sim foi aventura para mim na época. Comprei o ticket para o Eurotrem e embarquei só rumo à França sem falar uma palavra em francês: “Je ne parle pas français. Parlez-vous anglais?”

Em 2011 arrisquei sair sem intermediação: fiz um mochilão pela América Latina. Era “me, myself and I”, uma passagem de ida e de volta pela Viasur (aérea boliviana), um roteiro passível de modificações e uma mochila nas costas. Não reservei absolutamente nada. Cheguei em La Paz e resolvi pegar um ônibus rumo à Copacabana – a cidade do famoso Lago Titicaca. Confesso que quando entrei no ônibus e vi aquelas “cholas” nos bancos apertados me olhando com cara de interrogação quase pensei em descer e pegar um ônibus turístico. Não o fiz e foi uma experiência fantástica – apesar de eu achar que o busão ia deslizar ladeira abaixo na estrada em volta de um morro.

A viagem pela América Latina incluiu Peru (Cusco, Machu Picchu e Arequipa), Chile (Arica e São Pedro do Atacama) e a tradicional viagem de três dias pelo deserto rumo à Bolívia, passando pelo Salar de Uyuni. Não me senti só. Fiz amigos em hostels e passeios em grupos.

Em 2013 foi a vez do México e Cuba. Na Cidade do México senti-me um pouco insegura e, de tanto as pessoas me alertarem dos perigos, deixei de fazer alguns passeios por ser mulher e estar sozinha. Em Cuba não foi fácil: o país não tinha internet na época e os cubanos são extremamente machistas e xavequeiros. Não me deixavam em paz – mas era só “da boca pra fora”, pois o país é bastante seguro. Sei lá quantas vezes me perguntaram: “está viajando sozinha? Cadê seu namorado?

A última aventura foi agora, aos 30 anos, no final de 2016. Fui para a Tailândia e para a Índia – 35 dias e muita história para contar. De novo eu estava namorando e ele não podia ir junto. Queria muito ir – e fui só! A Tailândia é um país bastante turístico e não senti barreira alguma por estar sozinha. Na Índia tive medo, muito medo. Tanto que me conectei com outras brasileiras pela internet e me encontrei com elas.

Antes disso, passei uma semana sozinha em Rishikesh – a capital mundial da yoga. A cidade é uma exceção na Índia, um país extremamente machista que não vê com bons olhos mulheres que andam sozinhas à noite. Apesar daquela cidade ser mais segura, eu não saí do ashram (local do retiro espiritual) após o escurecer. Eu também tive que comprar roupas folgadas para me sentir bem nas ruas… Nas outras cidades indianas eu estava em companhia de minhas colegas brasileiras – e juntas nos unimos para fazer a viagem mais exótica de nossas vidas.

No Brasil eu já fui pra “tudo quanto é canto” sozinha e nunca hesitei. Eu não tenho medo e até gosto da minha própria companhia. Talvez eu seja uma exceção, mas o pensamento positivo ajuda a acreditar que vai ficar tudo bem. Sempre tomo muito cuidado e acho lamentável nós mulheres termos que nos afirmar para dizer que fazemos sozinhas uma coisa que deveria ser vista como normal.

Torço para que cada vez mais mulheres se encorajem a fazer o mesmo para que a exceção deixe de existir e a regra seja: viajar como e quando quiser, independente do gênero e da companhia. Afinal de contas, viajar é bom demais, né?

Mari Campos
Jornalista especializada em viagem e turismo, é autora do livro Sozinha Mundo Afora. Já esteve em todos os continentes e escreve suas aventuras no Maricampos.com 

Viajei sozinha pela primeira vez para outro país quando já era casada (me casei bem novinha, logo que terminei a faculdade) e já tinha visitado muitos países diferentes. Eu ainda era CLT, nossas férias daquela vez não bateram e, como eu nunca concebi a ideia de não viajar nas férias, resolvi ir sozinha. Não tive medos ou receios nessa primeira experiência; naquela época, a viagem de avião em si me deixava mais apreensiva que todo o resto – planejei minha viagem solo com o mesmo cuidado com que planejávamos nossas viagens em casal e embarquei.

E foi já nessa primeira viagem solo que a sensação de liberdade, de ser dona do meu nariz, falou mais alto que todo o resto. Descobri, até nas tomadas de decisão mais difíceis, que gostava muito de passar um tempo em minha própria companhia – e que era absolutamente empoderador estar o tempo todo no controle da viagem e tomar todas as decisões por mim mesma.

Depois dela, muitas e muitas e muitas viagens solo vieram e continuam vindo até hoje — algumas a trabalho, outras a lazer. Estive sozinha em países de todos os continentes e até mesmo na Antártica  – incluindo diversos países africanos, países árabes mais ou menos conservadores, Índia e tantos outros lugares que ainda são tabu para muitas mulheres que viajam sozinhas. E muitas amigas (casadas ou solteiras) se inspiraram e começaram a adotar viagens solo aqui e ali em suas agendas de viagens também.

Mas, que fique claro, continuo planejando cuidadosamente minhas viagens, sem exceção, e mantenho constantemente o mesmo nível de alerta “on” , independentemente do destino que estiver visitando. E não tenho pudores em pedir ajuda quando acho que preciso.

Se eu me sinto solitária quando viajo sozinha? Nunca. De verdade verdadeira. Sou daquele tipo que gosta bastante de ficar sozinha mas também adora socializar; cada coisa a seu tempo. Não precisa muito para bater papo com outras pessoas no café, no metrô, na fila do museu, no aeroporto – “gente” é o que eu mais amo sobre viajar. E quando viajamos sozinhos de fato nos abrimos mais para o outro, para jogar conversa fora, para conhecer gente nova. Voltei com pelo menos um bom amigo de cada viagem que fiz e isso é uma das coisas que mais me deixa feliz como viajante.

Se eu tenho medo quando viajo sozinha? Também não. Mas eu costumo dizer que me pauto muito por gerencia de riscos – inclusive nas viagens. E isso é muito importante. Ou seja: eu antes leio, pesquiso, estudo sobre os lugares que vou visitar; in loco, presto atenção em sons, luzes, cheiros, nas pessoas e tudo o que me rodeia. Também nunca deixo meus pertences dando bobeira nem vou dando informações sobre mim a um(a) desconhecido(a). Até as tentativas de assédio a gente aprende a tirar de letra. E esse tipo de “feeling” a gente vai mesmo desenvolvendo mais quanto mais vai viajando – sem contar que, no quesito zelar pela própria segurança, sendo brasileira a gente já é mesmo naturalmente meio craque nisso.

Dentro do meu estilo de viajar (que sempre foi o mesmo, estando sozinha ou acompanhada) o que eu mais busco é extrair experiências incríveis de um lugar; então nao me privo de fazer nada nem de ir a lugar nenhum “por ser mulher” nem por estar viajando sozinha. Para ser bem honesta, algumas das experiências mais autenticas e memoráveis que já tive em toda essa minha vida viajante aconteceram justamente em ocasiões em que viajava solo. O primeiro passo para todas elas foi… embarcar 🙂